domingo, 22 de dezembro de 2013

ANJO VINGADOR OU COMPANHEIRO COMPASSIVO?

Em tempo de "haters", "trolls" e "bullying" cada vez mais violentos, dentro e por vezes fora da internet, muitas vezes me peguei tentando entender o que faz uma pessoa agredir a outra de forma tão incisiva, principalmente quando a outra cometeu um erro, um ato impensado, uma indiscrição. 

Recentemente, li um livro que analisa a trajetória do Jonas, aquele da baleia bíblica, de um ponto de vista psicológico. Chama-se "Caminhos da Realização - dos medos do Eu ao mergulho no Ser" de autoria de Jean-Yves Leloup. Não é uma interpretação teológica, nem fundamentada em nenhuma religião: analisa a história de Jonas como um mito, como uma representação de nosso percurso pessoal, da nossa missão como ser individual. O texto é bastante interessante e amplo, tratando de vários temas. Destaco aqui a parte dessa análise que me ajudou a entender alguns desses comportamentos e que espero seja interessante para você também. 



A história numa versão bem resumida é a seguinte: Jonas vai parar na baleia porque ele se recusa a cumprir a missão que Deus determinou pra ele: ir a Nínive, que é a capital da Assíria, morada de inimigos dos judeus, e avisar que a cidade será destruída por conta dos seus pecados. Pois bem, depois de fugir de barco, se jogar no mar e ser engolido pela baleia ele concorda em cumprir a missão. Ele segue pra Nínive e dá o recado. E o inesperado ocorre. Todo o povo de Nínive se arrepende, se penitencia e, assim, é perdoado por Deus.
Aqui surge o que mais me interessou: Jonas se revolta com o perdão de Deus dado aos moradores de Nínive. Jonas quer que Nínive seja destruída. Ele serve ao Deus da Justiça. Jonas aceita a missão de apontar os erros dos outros, mas espera que a Justiça se cumpra, que Nínive seja destruída. Ele é o anjo vingador, que traz a "verdade", mas traz também a destruição.
Assim, quando Deus perdoa o povo de Nínive, ele pede a Deus pra morrer. Ele se recusa a viver nesse mundo em que erros são compreendidos e perdoados. E se recusa a entrar na cidade; faz uma cabana do lado de fora e se isola.

Diz Leloup: “Trata-se de observarmos bem a nós mesmos e de notar este prazer que temos quando vemos alguém sofrer pelas consequências nefastas dos seus atos. Chamamos a isso de justiça. A experiência que Jonas fará é algo além da justiça. É a revelação de um outro Deus, de uma outra dimensão do Absoluto, que ele não pode imaginar que exista. Porque ele não pode imaginar que se possa perdoar a criminosos, a destruidores. Jonas tem um grande desprezo, vendo o que Deus fez. Ele se encoleriza. Ele ora ao Senhor e diz: "Bem, Senhor, não era isto o que eu mais temia? E foi por isto que eu fugi para Társis. Eu adivinhava queTu És um Deus cheio de graça e de misericórdia, refratário à cólera, rico na bondade. Agora, Senhor, retoma minha vida, porque eu prefiro morrer a viver assim".” (LELOUP, p.70) 
A grande questão para mim então é: por que Jonas não aceita servir ao Deus da Misericórdia? Segundo o autor, porque ele tem medo de amar, medo de ser compassivo e medo de perder o chão das certezas. Certezas porque quem age como Jonas acredita que detém a "verdade". Não percebe que é a" sua verdade", já que é impossível para nós, seres humanos, ter o conhecimento total, a verdade absoluta. A vingança está fundamentada exatamente nisso: no fato de que existe uma verdade que é a do erro cometido e que a justiça deve ser feita. Não há espaço para a misericórdia, não há espaço para aceitar a vontade de Deus para nossas vidas.

E aqui não falo de isentar a pessoa que cometeu o erro. Os moradores de Nínive se penitenciaram para merecer o perdão de Deus. Eles assumiram a responsabilidade dos erros cometidos e buscaram uma mudança de comportamento. Dentro de uma sociedade, é preciso responsabilizar quem comete o erro. Mas a nossa atitude de aceitar, por exemplo, que as prisões sejam impiedosas, que haja tortura e desrespeito aos seres humanos presos (sim, são seres humanos como eu e você) é servir ao Deus da Justiça, mas está fundamentada na "nossa verdade", no nosso impulso de "anjo vingador". Está fundamentada na nossa disposição de, ou sermos indulgentes com nossos erros enquanto supervalorizamos os erros dos outros, ou pior: de sermos defensores da justiça tão ferrenhos que nos impomos uma culpa enorme por cada erro cometido e queremos que os outros sejam "castigados" na mesma medida em que nos autoflagelamos.
Gosto muito da ideia de servir ao Deus da Misericórdia. Exercitar minha disposição de ver os erros e as dificuldades das pessoas com compaixão (que é diferente de "pena"). Exercitar um olhar amoroso com a dor do outro, mesmo que a dor do outro pareça tola ou até mesmo “justa”. Confesso também que não é tarefa fácil. A empatia não é uma qualidade valorizada na nossa sociedade. Ver o mundo empaticamente é, muitas vezes, visto como fraqueza, fragilidade. E nosso impulsos de vingança precisam ser domados, transmutados em compaixão. Mas todas as vezes que consegui amar assim, minha alma ficou mais leve. Esse é o meu trabalho interno mais importante. Talvez esse seja o caminho para transformar a violência em paz... 


Assim, a felicidade está em realizarmos nossa missão que, ao final das contas, é amar. Afirma Leloup: “Se nós todos somos assim e se a vida neste espaço-tempo é tão breve, não estamos aqui para envenenarmos a vida uns dos outros. Estamos aqui para tornarmos a vida a mais agradável possível, uns aos outros. O grande medo de Jonas é ser misericordioso como Deus é misericordioso. O medo de Jonas é ser Deus. Um Deus que não é apenas justo à sua imagem, que pune os maus e exalta os santos, mas um Deus que faz brilhar o seu sol sobre o ouro e sobre o lixo e que faz descer a chuva sobre os bons e sobre os maus. Jonas não quer saber se o fundo de seu coração é doce e esta doçura não é uma fraqueza, mas uma grande força. Jonas é o medo de amar, o medo de ser Deus, porque Deus é Amor. (...) O medo de Jonas é o da perda do Ser amoroso, que convida o Eu a doar-se. Quer dizer, a morrer inteligentemente, ou melhor, a morrer amorosamente. Ao ir para Társis, tentando preservar o seu Eu, Jonas não poderia senão perder-se. Morreria velho, talvez, mas sem ter vivido. Indo para Nínive, ele descobre que pode se doar. Morrer também, sem dúvida, mas não sem ter amado. É isto que podemos nos desejar uns aos outros, em conclusão desta caminhada com Jonas - é não morrermos sem antes termos vivido, é não morrermos sem antes termos amado”. (LELOUP, p.77-78)

(Sugiro a leitura completa desse livro, que é muito rico. Há uma versão digitalizada razóavel AQUI.  Esse livro pode ser adquirido facilmente também. Veja AQUI.)


quarta-feira, 27 de novembro de 2013

PASSOS NA AREIA II

Praia do Pepê por Stella Montalvão

Gaivotas voam sob o mar. Pombos caminham pela praia, catando detritos. Sei que faço parte disso. Penso nos animais, na sua existência tão diversa da nossa. Penso na nossa interdependência, nos nossos caminhos entrelaçados.

Lembro-me dos beagles. Lembro-me dos ratinhos de laboratório. 

Vidas de que dispomos em prol dos nossos interesses.

Temos esse direito?

Acredito que até a mais empedernida narcisista, às voltas com seus produtos de beleza, sabe, no fundo, como é perverso o uso de animais para testar cosméticos. Mesmo que nos recusemos a reconhecer como somos arrogantes, a percepção de que é preciso proibir esse tipo de prática fica cada vez mais forte.

No entanto, quando se fala de medicamentos, a dúvida se instala. Será?

Eu acredito que vivemos uma contradição profunda. Gastamos tempo e dinheiro para criarmos medicamentos para tratar doenças que nós mesmos criamos.

Fumamos, bebemos, ingerimos uma infinidade de produtos químicos cuja finalidade é despertar nossas sensações: aromatizantes, corantes e outros venenos. Usamos pesticidas, e, em escala global, somos responsáveis pelo envenenamento dos rios, pelo aquecimento global e outras mazelas.

Temos realmente o direito de impor às outras espécies as experiências e testes para criar remédios para problemas que atraímos com nosso estilo de vida?

Já não basta criarmos, em escala industrial, e frequentemente de forma cruel, animais para nos alimentar e alimentar uma indústria nada confiável em que hormônios, medicamentos, produtos químicos diversos são adicionados ao que ingerimos? Se ainda comemos carne, não deveríamos pelo menos manter uma postura respeitosa diante desse outro?

No plano simbólico, é também disso que nos fala a expulsão do Jardim do Éden: da nossa incapacidade para nos sentirmos em comunhão com o todo, com a natureza, com outros seres vivos.


Penso que, se como indivíduos, não somos capazes de vivermos em paz com os outros seres vivos, pelo menos deveríamos encarar a responsabilidade do que fazemos com eles, por conta do nosso egocentrismo.



PASSOS NA AREIA


Praia do Pepê por Stella Montalvão


Vejo crianças brincando na areia, fazendo castelos ou dando gritinhos de prazer ao entrar na água gelada. Vejo corpos jovens como já foi o meu, e corpos envelhecidos como será o meu um dia. Vejo pássaros e homens-pássaros com seus parapentes deslizando na água.

Caminho pela praia e o sol aquece meu rosto. O céu azul sem nuvens encontra-se com o mar também azul. Sinto meus pés na areia molhada e a brisa marinha refresca.

Enquanto sinto a presença da natureza, viajo dentro de mim, consciente do meu corpo como parte desse cenário.
Meu corpo. A materialização que me comporta em espírito fragmentado.

Meu corpo em excesso. Construído para ser presença, é hoje a representação da minha necessidade de me proteger do meu próprio medo.

Sigo colocando meu prazer naquilo que como. Desloco a alegria para fora da minha experiência interna. Comendo, exercito um prazer solitário, censurado e, por isso, tentador. Nesse processo, construo minha cápsula de proteção que me mantém distante dos outros.

Assim, sou também pássaro, que arrepia suas penas para iludir o inimigo, criando a ilusão de ser forte, aparentando ser maior do que sou diante da ameaça de me descobrir frágil.

É minha capacidade de amar que me assusta. Dar-se a conhecer é o perigo. E é nessa capa de excessos que me escondo, cada vez mais densa.

Mas quem sou eu verdadeiramente?

Caminhando na praia, sinto que sou leve.

Meu corpo desajustado serve ao meu pequeno ego assustado e perdido, que vive hoje com medo de sua própria sensibilidade, quando deveria brilhar, flutuar, deslizar pelos caminhos por onde passo.

Sei que posso me alimentar de luz, de sol, de paz.
Sei que posso me alimentar dessa sensação poderosa de ser quem eu sou.
Sei que posso amar.


Sei que posso brilhar!




domingo, 26 de maio de 2013

Corações Solitários: Quanta dor pode caber em um filme?

O filme norte-americano Corações Solitários (Miss Lonelyhearts) de 1958, dirigido por Vincent J. Donehue, é baseado na peça de teatro de Howard Teichmann, que por sua vez é livremente inspirada no conto Miss Lonelyhearts de Nathaniel West, publicado em 1933.


Meu primeiro contato com o conto Miss Lonelyhearts foi por meio da leitura de uma citação de um trecho bastante pungente: uma carta à Senhorita Corações Solitários em que uma garota de 16 anos pede conselhos de como lidar com o medo que seu rosto mutilado desperta em todos. Li essa citação no prefácio de um livro muito interessante chamado Estigma, do sociólogo canadense Erving Gofmann e foi essa leitura que me levou ao conto.

O conto é bastante interessante, pois tem uma estrutura narrativa bastante diferente e seu tom derrotista e de humor negro é bastante representativo do período da Grande Depressão. O enredo trata da trajetória pessoal e espiritual de um jornalista em crise que, em sua coluna de jornal, responde cartas de pessoas sofredoras endereçadas à Senhorita Corações Solitários em busca de conselhos, enquanto é atormentado pelo chefe e se afunda em generosos copos de bebida.

Já o filme retém esse mesmo enredo, mas o que é cinismo no conto é dúvida no filme. Somos levados a conhecer melhor a trajetória do jornalista, Adam White, interpretado por Montgomery Clift, sua história familiar, sua culpa e seus desejos de redenção, seu sofrimento e o amor por sua namorada. E ao conhecê-lo melhor, acabamos por nos solidarizarmos com ele.


Essa solidariedade só é possível por conta da interpretação delicada e competente que faz Montgomery Clift desse homem que, ao contrário dos demais colegas de redação, não consegue debochar das cartas que lê, ficando cada vez mais mobilizado pelo sofrimento alheio, a ponto de não conseguir mais trabalhar, atormentado por seus próprios demônios e pelo assédio moral imposto a ele por seu chefe. Seu olhar expressivo, seus gestos de desalento, sua quase ingenuidade diante do Mal são suas armas de sedução, fazendo com que soframos com ele e com todos aqueles que ele, de certa forma, representa.


Em oposição a esse jornalista está Sr. Shrike, editor-chefe do jornal, que o admite em seu jornal em busca de divertimento sádico: sua expectativa é provar mais uma vez que um homem de princípios só os tem até se decepcionar diante da vileza inexorável daqueles com quem esse homem se solidariza. A escolha do nome Shrike pelo autor do conto, e mantido no filme, é bastante significativo nesse sentido: o picanço (shrike em inglês) é uma ave de hábitos predatórios, alimenta-se de pequenos animais e tem como hábito pendurar partes de suas presas em galhos, usados como “despensa”. Robert Ryan, de Os Doze Condenados (1967) e Meu Ódio Será Sua Herança (1969), faz esse papel de forma exemplar: seu olhar cínico de abutre a espreitar sua presa, seu prazer em ver sua presa se debatendo diante das suas dúvidas existenciais e do seu desencanto diante dos outros, despertam um sentimento de repulsa profundo.

Já as mulheres desse filme, Justy, Florence Shrike e Fay Doyle, são quase patéticas: sem perspectivas, existem e agem em função de seus homens.


A namorada Justy, interpretada pela iniciante Dolores Hart, é o exemplo da menina suburbana que, com a morte da mãe, assume toda a responsabilidade de cuidar da casa e atender às necessidades do pai e dos irmãos, sem receber quase nenhum reconhecimento por isso. Além disso, trabalha fora, e é tocante a cena em que ela se vangloria de ter sido promovida de arquivista à secretária depois de dois anos de trabalho duro. Ela se ressente do fato de que seu namorado, apesar de amá-la, mantém uma certa reserva em relação ao seu próprio passado. É esse passado que, ao ser revelado, estabelece um dilema a ser enfrentado por ela. Ao final do filme, sua hesitação é vista como uma falta de amor pela qual ela precisará pedir perdão.


Florence Shrike, representada por Myrna Loy, a bela atriz mais conhecida pelos papéis de femme-fatale no cinema mudo e depois por sua participação em A Ceia dos Acusados (1934) e Ziegfeld, o Criador de Estrelas (1936), é a esposa do editor-chefe. Ela sofre por ter cometido adultério dez anos antes e nunca ter sido perdoada pelo marido ciumento, apesar de ele ter tido diversas amantes na mesma época. Esse adultério é usado frequentemente para humilhá-la, inclusive diante de outras pessoas. Sua aproximação desinteressada de Adam White é o motivo principal pelo qual seu marido o emprega no seu jornal e passa a “torturá-lo” no sentido de destruir sua fé na humanidade.


Fay Doyle é uma das pessoas que escreve para a Senhorita Corações Solitários. Com a intenção de destruir a fé de Adam White e humilhá-lo, Shrike o incita a conhecer pessoalmente as pessoas que lhe escrevem. Assim, Adam recebe, em sua casa, Fay Doyle, uma dona de casa que vive com o marido por mais de sete anos sem relações sexuais por conta de um acidente sofrido por ele. Perturbado pela história de Fay, ele se deixa seduzir por ela, para depois recusar a proposta dela de manterem um relacionamento adúltero. Essa recusa a irrita e, sentindo desprezada, ela tomará uma decisão de contornos trágicos. Essa mulher emocionalmente instável é interpretada por Maureen Stapleton, atriz que recebeu sua primeira indicação ao Oscar de Atriz Codjuvante por esse trabalho. No decorrer de sua carreira, ela recebeu essa mesma indicação por sua atuação em três outros filmes, tendo finalmente sido a ganhadora por sua atuação em Reds (1981).

É possível escolher entre o conto e o livro? Eu acho que não. Reproduzir o conto em seus aspectos inovadores seria empobrecer a experiência reflexiva proposta pelo texto. O filme utiliza-se do enredo, mas traz outra visão de mundo... Do conto amargo para o filme redentor, há uma grande distância. Ao leitor do conto, um aviso: o desfecho do filme pode decepcionar, caso você faça questão do final proposto no conto. Eu aceitei bem o final construído no filme. Um pouco de ternura, na minha opinião, não faz mal a ninguém... 

Esse filme não é, com certeza, um dos mais conhecidos no Brasil ou mesmo nos EUA. Seu diretor teve carreira breve no cinema, tendo se dedicado essencialmente aos filmes para televisão. Esse filme não foi lançado no Brasil nem mesmo em VHS. Nos EUA, também é um filme difícil de se encontrar. Ainda bem que há o YOUTUBE! É possível ver o filme completo em MISS LONELYHEARTS (1958), sem legendas.

Já o conto foi lançado no Brasil em 1985, pela Editora Brasiliense, mas atualmente está fora de catálogo. Se você quiser conhecê-lo, é possível ler sua versão original em inglês: Miss Lonelyhearts de Nathaniel West.

Download: Para o release “Lonelyhearts (1958) Montgomery Clift Eng” é possível fazer o download pelo Torrent e há legenda em português.

sábado, 18 de maio de 2013

Nunca é Tarde Demais para Assistir a Esse Clássico!

O filme norte-americano Tarde Demais de 1949, dirigido por William Wyler, é uma adaptação da peça de teatro A Herdeira de Ruth e Augusts Goetz, encenada pela primeira vez em 1947, e que por sua vez é baseada na novela Washington Square de Henry James, escrita em 1881.


O enredo é razoavelmente simples. Catherine Sloper é a herdeira de uma grande fortuna, moça sem atrativos físicos e excessivamente tímida, embora sincera, honesta, obediente e bondosa. Órfã por parte de mãe, ela tenta de todas as formas agradar ao seu pai, que a vê como uma mulher medíocre e inexpressiva.

Ao conhecer Morris Townsend, jovem bem apessoado, inteligente e encantador, mas pobre por ter gastado toda uma pequena herança em viagens a Europa, Catherine fica agradavelmente surpresa da atenção que esse lhe dispensa. Essa atenção se transforma em assédio, incentivado pela tia da moça e, na sequência, em uma proposta de casamento que desagrada profundamente ao pai. Afirmando que o rapaz só pode estar interessado no dinheiro de sua filha, o pai, então, promete deserdá-la, caso ela se case com Morris, deixando-a apenas com uma pensão anual deixada pela mãe.

 Catherine será capaz de desafiar a vontade do pai e fugir com seu grande amor? Morris a ama verdadeiramente ou é apenas um caça-dotes? Essas são as questões com que nos debatemos ao assistir ao filme.

Um enredo assim tão pueril, tão próximo de melodramas de época, seria descartável, se não fosse a escrita de Henry James. Primeiro, pela capacidade de construir um retrato bastante interessante de uma classe abastada nova-iorquina que repete os erros da aristocracia inglesa que diz desprezar. Segundo, pela delicadeza e intensidade que se utiliza para construir suas personagens. Catherine é a moça indefesa diante dos homens de sua vida, tentando desesperadamente agradar ao seu pai e a Morris. Artur Sloper é o pai tirânico e frio que não vê na filha motivo de orgulho, já que ela não atende ao que se espera de uma dama de sua classe. Tia Lavínia é a tia alcoviteira, fantasiosa e afeita a segredos, que se encanta por Morris Townsend. E Morris Townsend é o jovem aventureiro, inteligente e de caráter ambíguo.

Na narrativa de Henry James, em que surge o retrato de uma mulher submetida a uma sociedade patriarcal, acompanhamos cada um desses personagens em seus pensamentos e emoções, na trajetória que cada um traça para si, em um texto marcado por silêncios. Como transformar esse texto em cinema?

Duas coisas fazem desse filme uma obra magistral: um roteiro perfeito, realizado pelos mesmos autores que haviam levado esse texto para o teatro, e uma atuação impecável dos atores que representam esses personagens. O roteiro manteve boa parte dos diálogos mais importantes do texto, mas destaca a fragilidade de Catherine, a dureza do pai dela, a leviandade de sua tia e a ambiguidade de Morris. Dessa forma, o filme nos leva a tomar o partido de Catherine e, como cúmplices, passamos a acompanhar sua trajetória.


A interpretação de Olivia de Havilland para a personagem de Catherine Sloper é primorosa. Cada uma das cenas é perfeita: é no seu olhar, na sua postura, que vamos percebendo a sua dor, sua inadequação, a sua necessidade de aprovação. E é da mesma forma que percebemos as transformações porque passa Catherine no desenrolar da trama, culminando na cena final em que ela verdadeiramente se supera. Esse filme tornou-se um projeto pessoal da atriz, pois conta-se que foi ela quem assistiu à peça e incentivou Wyler a levá-la para as telas, e lhe valeu merecidamente o Oscar de Melhor Atriz.

Montgomery Clift interpreta o jovem Morris, e quem senão ele para criar esse personagem tão bonito, agradável, bem-humorado, gentil e apaixonado e dar a ele esse tom ambíguo que nos faz achá-lo perfeito demais para ser verdade? Gosto especialmente dessa atuação dele, pois foge da imagem de jovem atormentado que acabou se tornando sua marca. O Morris construído por Clift é realmente o sonho de toda mulher e o pesadelo de todo pai.


 Ralph Richardson, ator inglês respeitado por sua atuação em inúmeras peças de teatro e filmes de peso como Exodus, Spartacus e Doutor Jivago, interpreta o pai, Arthur Sloper. O tom irônico, arrogante e cruel que utiliza na construção de seu personagem destaca perfeitamente a fragilidade de sua filha e constrói o perfeito contraponto para Morris, transformando cada um dos diálogos de que participa em verdadeiro combate em que não demonstra nenhuma compaixão. Ele já havia representado esse papel no teatro e, por sua interpretação no filme, foi indicado ao Oscar como Melhor Ator Coadjuvante.

Miriam Hopkins interpreta perfeitamente a Tia Lavinia, viúva provinciana que sonha com romances românticos de amores impossíveis e que se deixa encantar por Morris, a quem considera o homem ideal para Catherine, mesmo que haja dúvidas sobre o seu caráter. Será ela a alcoviteira que incentivará o romance e permitirá a eles manter contato por cartas e planejar o casamento.
 
 
Cada uma dessas interpretações faz com que Tarde Demais seja um filme memorável. Mas é preciso destacar que, além disso, esse filme é visualmente extraordinário, tendo sido vencedor do Oscar pela melhor direção de arte em preto e branco e também pelo melhor figurino. E como isso não bastasse, foi vencedor também do Oscar de melhor trilha sonora (a clássica canção francesa “Plaisir D’Amour” é elemento importante na trama).

Enfim, quando li a novela de Henry James, apaixonei-me imediatamente. E, no entanto, assistir ao filme foi uma experiência ainda mais extraordinária. Isso porque o filme, na minha opinião, consegue ser mais denso do que a própria novela, ao concentrar as suas qualidades e descartar suas fragilidades.

Uma última observação: o título da versão em português é péssimo, quase um spoiler. E totalmente desnecessário, já que se poderia utilizar a tradução literal de The Heiress como A Herdeira, título que foi utilizado em todos os outros países em que ele foi exibido. Além disso, A Herdeira é o título da novela de Henry James em português, assim ao usar o título Tarde Demais, perde-se também essa referência.

Maiores informações sobre a filme no IMDb, em TARDE DEMAIS (1949). E é possível assisti-lo completo no YOUTUBE, sem legendas, em: TARDE DEMAIS (1949).

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Tutoria on-line: o papel do feedback no processo de aprendizagem




Inicialmente, penso que é preciso tecer algumas considerações sobre a atuação do tutor on-line, aquele que acompanha as atividades do aluno por meio de interações mediadas por tecnologias de informação e comunicação.

Atualmente, vários autores que pesquisam sobre a Educação a Distância destacam que é função do tutor on-line atuar no sentido de que o processo de ensino-aprendizagem ocorra dentro de um contexto que garanta comunicação e interação de qualidade. O que significa isso?

Isso significa que o tutor on-line precisa ter competência comunicativa. Para pensar um pouco essa questão, parto dos elementos básicos da comunicação, que fundamentam o estudo das funções da linguagem propostas por Roman Jakobson em sua obra seminal “Linguística e Comunicação”, conforme imagem abaixo.




A questão passa a ser a seguinte: O que é necessário para que o tutor on-line tenha êxito em seu trabalho?

Acredito que há questões diretamente ligadas ao próprio tutor. Ele precisa ter competência tecnológica, dominando a tecnologia utilizada como canal para sua comunicação (no caso o computador e, mas especificamente, o ambiente virtual de aprendizagem utilizado). Ele precisa também ter competência técnico-pedagógica, dominando os conteúdos da disciplina com a qual trabalhará com os alunos. E ainda precisa ter competência do âmbito pessoal e transpessoal, sendo capaz de desenvolver suas atividades com autodisciplina, planejamento e organização, o que permitirá que ele mantenha contato frequente com os alunos e, além disso, ser capaz também de interagir com o aluno de forma a encorajá-lo ao compartilhamento e à construção do conhecimento, de forma empática, mantendo um ambiente de respeito e de calor humano.

Além dessas questões diretamente ligadas ao perfil do tutor, há outros fatores sobre controle do emissor que o tutor deve considerar: ele precisa levar em conta a qualidade do canal (nesse caso, a qualidade da conexão e a existência de polos em que os alunos possam acessar o ambiente virtual de aprendizagem, por exemplo); precisa também garantir a qualidade da mensagem que deve ser clara e objetiva, mas que deve também ser gentil e respeitosa, buscando estabelecer vínculos de confiança e de pertencimento entre tutor e aluno; utilizar-se corretamente do código, no caso, a língua portuguesa e, ainda, buscar conhecer os alunos e entender em que contexto ele estão inseridos, no sentido de adequar sua mensagem aos seus alunos.

Conhecer os alunos é um procedimento que merece destaque, pois as dificuldades de expressão e compreensão dos alunos pode ser um obstáculo que precisará ser superado pelo tutor para que sua comunicação surta o efeito esperado.

Ao receptor, no caso, ao aluno, cabe decodificar a mensagem dentro dos parâmetros propostos e, a partir dessa decodificação, retomar a comunicação proporcionando um feedback, que corresponde à informação que o emissor consegue obter e pela qual sabe se a sua mensagem foi captada pelo receptor. O processo comunicativo pressupõe, portanto, o feedback como uma forma de “checagem” quanto ao resultado da comunicação realizada e a presença ou não de ruídos que interferem na correta recepção da mensagem.

Assim, levando em conta as considerações feitas a respeito do processo comunicativo, é fundamental que, na interação entre tutor e aluno, tanto os alunos quanto os tutores estejam empenhados em garantir que o outro receba seu feedback no sentido de evidenciar possíveis distorções ou inadequações da mensagem. O tutor on-line necessita intervir no processo de ensino-aprendizagem constantemente, proporcionando ao aluno esclarecimentos e incentivando o aprofundamento e a correção de possíveis distorções encontradas no material produzido pelo aluno, seja na intervenção nos fóruns ou na realização de tarefas. Já o aluno deve se utilizar do fórum de dúvidas e das mensagens pessoais, entre outros recursos, para esclarecer quaisquer informações que não tenham sido corretamente compreendidas ou para solicitar colaboração ou diretrizes na realização das suas intervenções.




quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Professor, você conhece o Google Docs?


O “Google Docs” é um pacote de aplicativos que permite criar documentos, apresentações de slides, planilhas, desenhos e questionários. O seu diferencial é a possibilidade de construção do material diretamente no site, a partir do seu navegador, com a possibilidade de construção coletiva e em tempo real.

Na prática, isso que dizer que um grupo de alunos pode construir, a partir de um ambiente virtual, uma apresentação de slides interagindo em tempo real, desde que conectados, superando a barreira da distância. E há a possibilidade ainda de levar essa interação a um nível ainda maior a partir do uso do chat do próprio aplicativo enquanto os alunos fazem modificações simultaneamente no documento em que se está trabalhando. Outra situação possível é a de um trabalho interativo, mas não simultâneo, em que os alunos vão adicionando suas reflexões e alterando as já incluídas no material por outros participantes. 

Em todas essas situações, as inclusões de um aluno podem ser acompanhadas pelos outros participantes com informações de quando foi feita a alteração e que alteração foi realizada. E o professor/tutor pode e deve se incluir nesse processo! Com a participação do professor/tutor no grupo, este passa a poder intervir também, deixando comentários ou destacando temas que precisam ser aprofundados e, assim, influenciando no resultado final do trabalho.

Quer conhecer os recursos do Google Docs? Acompanhe esse tutorial: 




Essa ferramenta é interessante para ser usada no ensino presencial, mas, no caso do ensino a distância, ela pode fazer a diferença entre uma abordagem pedagógica mecanicista e instrucional e uma abordagem interativa, em que o conhecimento é partilhado e construído coletivamente.

Pense na possibilidade de trabalhar dentro de um espaço virtual que possa reunir alunos de lugares distantes entre si, e em que o professor/tutor exerce seu papel de mediador, enquanto os alunos podem interagir assumindo suas responsabilidades no processo de ensino-aprendizagem. Não é incrível? Esse é o diferencial dessa ferramenta tecnológica para a realização das mais diversas atividades em um contexto de ensino a distância.

Enfim, o Google Docs é uma ferramenta tecnológica de interface bastante amigável e que pode transformar sua prática pedagógica!