O filme norte-americano Corações Solitários (Miss Lonelyhearts) de 1958, dirigido por Vincent
J. Donehue, é baseado na peça de teatro de Howard Teichmann, que por sua vez é livremente
inspirada no conto Miss Lonelyhearts
de Nathaniel West, publicado em 1933.
Meu primeiro contato com o conto Miss Lonelyhearts foi por meio da
leitura de uma citação de um trecho bastante pungente: uma carta à Senhorita
Corações Solitários em que uma garota de 16 anos pede conselhos de como lidar
com o medo que seu rosto mutilado desperta em todos. Li essa citação no
prefácio de um livro muito interessante chamado Estigma, do sociólogo canadense Erving Gofmann e foi essa leitura
que me levou ao conto.
O conto é bastante interessante, pois tem uma estrutura
narrativa bastante diferente e seu tom derrotista e de humor negro é bastante
representativo do período da Grande Depressão. O enredo trata da trajetória
pessoal e espiritual de um jornalista em crise que, em sua coluna de jornal, responde
cartas de pessoas sofredoras endereçadas à Senhorita Corações Solitários em
busca de conselhos, enquanto é atormentado pelo chefe e se afunda em generosos
copos de bebida.
Já o filme retém esse mesmo enredo, mas o que é
cinismo no conto é dúvida no filme. Somos levados a conhecer melhor a
trajetória do jornalista, Adam White, interpretado por Montgomery Clift, sua
história familiar, sua culpa e seus desejos de redenção, seu sofrimento e o
amor por sua namorada. E ao conhecê-lo melhor, acabamos por nos solidarizarmos
com ele.
Essa solidariedade só é possível por conta da
interpretação delicada e competente que faz Montgomery Clift desse homem que,
ao contrário dos demais colegas de redação, não consegue debochar das cartas
que lê, ficando cada vez mais mobilizado pelo sofrimento alheio, a ponto de não
conseguir mais trabalhar, atormentado por seus próprios demônios e pelo assédio
moral imposto a ele por seu chefe. Seu olhar expressivo, seus gestos de
desalento, sua quase ingenuidade diante do Mal são suas armas de sedução,
fazendo com que soframos com ele e com todos aqueles que ele, de certa forma,
representa.
Já as mulheres desse filme, Justy, Florence Shrike
e Fay Doyle, são quase patéticas: sem perspectivas, existem e agem em função de
seus homens.
É possível escolher entre o conto e o livro? Eu acho que não. Reproduzir o conto em seus aspectos inovadores seria empobrecer a experiência reflexiva proposta pelo texto. O filme utiliza-se do enredo, mas traz outra visão de mundo... Do conto amargo para o filme redentor, há uma grande distância. Ao leitor do conto, um aviso: o desfecho do filme pode decepcionar, caso você faça questão do final proposto no conto. Eu aceitei bem o final construído no filme. Um pouco de ternura, na minha opinião, não faz mal a ninguém...
Esse filme não é, com certeza, um dos mais
conhecidos no Brasil ou mesmo nos EUA. Seu diretor teve carreira breve no
cinema, tendo se dedicado essencialmente aos filmes para televisão. Esse filme
não foi lançado no Brasil nem mesmo em VHS. Nos EUA, também é um filme difícil
de se encontrar. Ainda bem que há o YOUTUBE! É possível ver o filme completo em
MISS LONELYHEARTS (1958), sem legendas.
Já o conto foi lançado no Brasil em 1985, pela
Editora Brasiliense, mas atualmente está fora de catálogo. Se você quiser
conhecê-lo, é possível ler sua versão original em inglês: Miss Lonelyhearts de Nathaniel West.
Download: Para o release “Lonelyhearts (1958) Montgomery
Clift Eng” é possível fazer o download pelo Torrent e há legenda em português.
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