Em um dos meus passeios errantes por livrarias, encontrei um livro intrigante: Star Wars e a Filosofia. Achei a proposta muito interessante: uma coletânea de artigos de estudiosos em Filosofia que se debruçaram sobre a saga Guerra nas Estrelas e escreveram artigos explorando elementos significativos da narrativa. O livro é coordenado por William Irving, professor de Filosofia da King's College da Pennsylvania e responsável pela publicação de uma série de livros no campo da "Filosofia e Cultura Popular". Fazem parte dessa coleção livros que abordam narrativas diversas, entre livros filmes e séries de televisão e até explorando o heavy metal:“Metallica e a Filosofia” e “Black Sabbath e a Filosofia”.
"O universo dos filmes de Guerra
nas Estrelas é muito complexo, repleto de questões humanas, sociais e políticas
que são muito mais profundas do que aparentam ser e influem em nossa galáxia
também nos dias de hoje. A fim de discutir aspectos de algumas situações
e dos principais personagens da série, Jason T. Eberl, Kevin S. Decker e mais
15 estudiosos de Filosofia, fundamentados em pensadores como Platão,
Aristóteles, Heidegger, Hegel, William Clifford e outros, tentam desvendar
parte dos grandes mistérios que rondam o filme. Exercemos realmente o livre-arbítrio, ou
temos o destino já traçado? O medo é capaz de nos levar ao caminho do
mal? A lavagem cerebral é eticamente saudável? Existe uma Força
todo-poderosa controlando tudo? Para que serve a guerra? Se máquinas
pensassem, estaríamos aqui? O Bem existiria sem o Mal?"
O livro traz, em uma linguagem acessível, dezessete artigos, divididos em quatro partes: 1. Que a Força Esteja Com Você - As Mensagens Filosóficas de Guerra nas Estrelas; 2. Não Tente - Faça Ou não Faça - Ética em Uma Galáxia Muito, Muito Distante; 3. Não Me Chame de Filósofo Descuidado" - Tecnologias Alienígenas e a Metafísica da Força; e 4. Sempre Há Um Peixe Maior - Verdade, Fé e Uma Sociedade Galática.
Como leitora voraz e amante da saga Guerra nas Estrelas, achei a leitura bem instigante. Fiquei animada e já comprei também os que se referem a: O Hobbit, Harry Potter e X-Men. Conforme eu for terminando a leitura de cada um deles, prometo uma postagem. Para dar um gostinho do livro, digitalizei um dos artigos de que mais gostei. Espero que vocês gostem também!
Guerra nas Estrelas, como o nome sugere, trata de
luta e conflito; esperança e renovação; guerra e morte. De um lado, temos os
rebeldes, cuja luta para se libertar do domínio e medo imperiais motiva seus
defensores e dá vida ao movimento. Do outro lado, existe o Imperador e seus servos
que, guiados pelo que o filósofo Friedrich Nietzche (1844-1900) chama de o
“desejo de poder”, voluntariamente sacrificam planetas inteiros e sua população
em uma tentativa impiedosa de alcançar seus objetivos. A arte de fato imita a vida
ou, pelo menos, ressalta uma importante característica dela - ou seja, o exercício
de um certo tipo de poder.
Não é difícil entender como nasce esse tipo de
poder; o medo é o mecanismo que explica sua existência e força. É o medo de
perder a irmã que leva Luke a realizar os desejos do Imperador e atacar seu
pai. É o medo que motiva o senado a formar o exército dos clones que, por fim, provoca
sua própria queda. E é o medo de perder a mãe que leva o jovem Anakin Skywalker
ao caminho para o Lado Negro e faz com que o antigo mestre Jedi, Yoda, recite o
mantra de sua religião: “Medo leva à raiva... Raiva leva ao ódio... Ódio leva
ao sofrimento.”
O medo ilumina o caminho da escravidão e do
sofrimento; o caminho que leva ao Lado Negro. Ao mesmo tempo, no entanto, ele
revela um certo modo de exercer o poder - o modo do mestre Sith. O mestre chega
a essa posição e mantém seu domínio sobre os aprendizes ou escravos, evocando e
jogando com o medo deles, que permanecem nessa condição permitindo que esses
medos dominem seu ser. Esse jogo entre poder e medo é o que o filósofo do
século XIX Georg Hegel (1770-1831) chamava de “dialética mestre-escravo”.
Olhando a saga de Guerra nas Estrelas pela lente da dialética mestre-escravo de
Hegel, nós não apenas entenderemos melhor a natureza e os limites do poder do
Imperador, mas também por que - além do impulso hollywoodiano de dar um final
feliz ao público - o poder fracassou. E, como um bônus, a análise de Hegel nos
força a olhar com mais cuidado para o exercício pessoal do poder, trazendo mais
alívio aos diferentes personagens da galáxia de Guerra nas Estrelas e suas motivações.
MESTRES E ESCRAVOS: QUEM GOVERNA QUEM?
Certa vez, fizeram a seguinte pergunta a Tales, o
primeiro filósofo da tradição ocidental: “Qua1 é a coisa mais difícil?” Ele
respondeu: “Conhecer a si mesmo.” Na verdade, Tales acertou o alvo: entender a
nós mesmos e o valor e significado de nossas experiências é, na verdade, uma
das coisas mais difíceis que podemos fazer. Do mesmo modo, entender como o próprio
autoconhecimento é possível, como ele nasce e no que consiste é um dos
problemas mais desafiadores enfrentados pelos filósofos. Em Guerra nas
Estrelas, dois dos temas mais compelativos são a jornada do autoconhecimento de
Luke e a redenção de seu pai como resultado de sua própria descoberta de uma nova
identidade, no fim de O Retorno de Jedi.
Por mais improvável que pareça, é o problema do
autoconhecimento que acaba por levar Hegel a examinar o relacionamento entre o
mestre e o escravo. Para o filósofo, o conhecimento de nós mesmos como indivíduos;
o conhecimento do valor e significado de nossos projetos e experiências, necessariamente
implica o relacionamento com outras pessoas. Nosso autoentendimento não nasce
independentemente dos outros; pelo contrário, ele emerge do contexto do
relacionamento com outras pessoas. O reconhecimento (ou falta dele), por parte
dos outros, de termos projetos e experiências valiosos e independentes, amolda
a maneira como percebemos a nós mesmos. Não é de surpreender, portanto, que o
tipo e a qualidade de nosso relacionamento com os outros exerça uma influência
direta sobre nossa capacidade de nos conhecer e valorizar a nós mesmos. Alguns
relacionamentos podem aumentar nossa capacidade de autoconhecimento, enquanto
outros, como o do mestre e do escravo (ou entre o Imperador e seus súditos),
distorcem a imagem que temos de nós mesmos. Mas, o que é realmente interessante
nisso tudo é o fato de que é o mestre, e não tanto o escravo, que tem o
autoentendimento distorcido pelo relacionamento. Vejamos por quê.
Do ponto de vista do autoconhecimento, o indivíduo
desenvolve a percepção de si mesmo como indivíduo (ele se torna consciente)
quando confronta outra pessoa como ele; alguém capaz de interpretar e entender
o mundo.[1] Nesse encontro, um tem a percepção
do outro, mas essa percepção traz consigo uma certa tensão. Considerando que o
outro é co-intérprete do mundo, ele é um sujeito para quem o mundo se
apresenta. Por outro lado, considerando que o mundo é um objeto para ele, o
outro também será um objeto dentro do mundo.[2] Quando, por exemplo, Luke
e Vader se encontram pela primeira vez em O Império Contra-Ataca, Vader fica dividido.
Por um 1ado, ele considera Luke um troféu, um mero objeto de conquista. Por
outro lado, ele também vê Luke como um possível rival do Imperador, um igual e
um parceiro.
Em ambos os casos, nesse ponto, o indivíduo só tem
a percepção de si mesmo dentro de sua capacidade de interpretar e entender o
mundo. O que falta a ele é um entendimento de si mesmo como um criador ativo;
ou seja, como um ser com projetos e objetivos significativos. Contudo, para se
conhecer assim, o indivíduo deve de algum modo formar um mundo de acordo com
seu próprio desejo; ele deve, em outras palavras, fazer para si um mundo humano.
Nesse momento, e só nesse momento, sua individualidade emergirá e se tornará
algo a ser interpretado e entendido pelo outro. O problema é que ser criativo
nesse sentido requer que imprimamos nosso desejo aos outros, ordenando nosso
mundo. Nesse aspecto, somos todos como O Imperador, tentando refazer o mundo à
nossa própria imagem.
A luta começa. Um se recusa a ver o outro como um
sujeito co-igual; e um vê no outro um meio de criar o mundo a seu próprio modo.
Ambos arriscam tudo na luta de vida e morte pela supremacia, pois é por meio dessa
luta que, segundo Hegel conhecemos e valorizamos a vida com todas as suas
possibilidades criativas.[3] No fim, um chega à beira
do terror e volta atrás, apenas para se tomar escravo do outro. Isso, em termos
simples, é como Hegel entende a emergência histórica da relação entre mestres e
escravos.
É tentador pensar que nesse ponto o mestre tem o
que deseja. Como mestre, pode comandar o trabalho do escravo e fazer do mundo
aquilo que quiser. Livre do aborrecimento do trabalho mundano, o mestre pode viver
em ricos ambientes, dedicar-se a prazeres fabulosos e fazer tudo o que tem vontade
(lembremos de Jabba, o Hutt). Realmente, parece que o mestre tem tudo o que
quer, assim como parece que o Imperador, com seus guardas vestidos de vermelho
e cortesãos bajuladores, tem o que quer; mas as aparências enganam.
É preciso que seja reconhecido por outro, um igual,
que o mestre arriscou tudo para se tornar mestre e não para levar uma vida de
prazer. O escravo é um ser humano, mas enquanto continuar escravo não pode dar ao
mestre o reconhecimento que ele deseja - o reconhecimento de um igual Por que
isso é importante? Hegel assim explica: “A autopercepção existe em si e para si
quando, e pelo fato de que, ela existe para o outro; ou seja, ela só existe
quando reconhecida.”[4] Embora, com certeza, eu
seja algo independente dos outros, o entendimento que tenho de mim mesmo, do valor
de meus projetos, do significado e sentido das minhas experiências, depende do
modo como os outros me vêem. Naturalmente, eu devo confiar e valorizar os
julgamentos dos outros que me avaliam. Se eu os considero diferentes de mim,
incapazes de entender ou julgar o valor da minha vida, então as opiniões deles
não têm valor para mim. Somente um igual é capaz de me entender do modo que eu
me entendo. Assim, se devo obter o reconhecimento que desejo como um ser
autoconsciente; se devo entender a verdade sobre mim mesmo e minhas possibilidades
como ser humano, então devo buscar um igua1.
Mas isso é impossível para o mestre. Por definição,
o mestre “prefere a morte ao reconhecimento servil da superioridade do outro”.[5] E é somente pela morte,
sua ou de seu adversário, que o mestre alcança o que deseja - domínio. A
possibilidade da coexistência pacífica com co-iguais com outros mestres - é
excluída. A luta original (de um lado só) por reconhecimento é meramente
transplantada para um novo loca1. Pois, enquanto o mestre se recusa a conhecer
o outro como um sujeito co-igual; enquanto ele deseja ser mestre, seus objetivos
humanos mais importantes são, e sempre serão, frustrados.
É desnecessário dizer que os objetivos do escravo
também são frustrados. Ser um escravo só é uma situação feliz em histórias
ruins. Na verdade, a escravatura é uma instituição brutal e desumana, e a breve
visão dela que temos em Tatooine, em A Ameaça Fantasma, é branda e disfarçada.
Não obstante, a situação para o escravo também não é o que parece à primeira vista.
Para começar, é o trabalho do escravo que cria o
mundo das coisas, e por meio desse trabalho ele experimenta a si mesmo como um
ser criador. Esse certamente é o caso do jovem Anakin quando trabalha na oficina
de Watto. Enquanto o mestre não pode ficar satisfeito consigo mesmo – pois ele
só pode escolher uma vida de prazer animal ou voar novamente e morrer no campo
de batalha -, o escravo pode superar a si mesmo e à sua situação vencendo os
medos. Em O Império Contra-Ataca, a experiência de Luke na caverna e seu
subseqüente treinamento Jedi simbolizam a luta e a vitória contra o medo. A
princípio, o medo o aprisiona e o impede de agir como um cavaleiro Jedi. Embora
alegue que não tem medo, Yoda sabe a verdade e avisa: “Você terá... você terá.”
A superação desse medo, por sua vez, constitui uma parte importante do
amadurecimento de Luke; durante o duelo na Cidade nas Nuvens, Vader o elogia
por vencer o medo. Como conseqüência, é o mestre que representa um beco sem saída
histórico. Ele nunca pode ir além do que é e perceber a si mesmo como um
sujeito livre e autoconsciente. O escravo, por outro lado, nada tem a perder
além do medo; ele pode ir, e irá, além daquilo que é, porque seu desejo não é
ser mestre, mas ser 1ivre. Hegel diz que ele encontra a liberdade em seu
trabalho; um espaço em que controla seu pequeno e limitado mundo, e reconhece a
liberdade de ser “dono da própria mente.”[6]
UM IMPÉRIO DE MEDO E TREMOR
O controle do medo é o negócio do Império; e o
medo é a cunhagem do poder que deve se fazer visivelmente terrível para governar.
O Imperador, precisamente porque é desigual em relação a seus súditos, não pode
exercer o poder todo o tempo. Dentro de um sistema assim, é o excepcionaL o
exemplo, que deve circular e demonstrar poder. A decisão de destruir o planeta Alderaan,
por exemplo, foi tomada não porque ele representava uma ameaça, mas porque sua visibilidade
o tornou um útil espetáculo de força. “Dantooine”, o Grande Moff Tarkin
anuncia, “está muito longe para fazer uma demonstração eficiente.” É verdade, o
exercício do poder é excessivo, mas não é indiscriminado - seu uso é calculado
para maximizar o medo e tornar desnecessário o real emprego da força em outro
1ugar: “O medo manterá os sistemas locais na linha, o medo desta estação de
batalha.”
Como todas as armas de destruição em massa, a
função militar da Estrela da Morte não pode ser separada com facilidade das
suas funções políticas e policiais - seu propósito como um método de controle
doméstico. O poder objetivo dela não está no uso rea1, mas na ameaça dele, e
aqui está o segredo de sua função política de justificativa do exercício do poder.
“Esta estação”, diz um comandante muito zeloso, “é agora o poder supremo no Universo.
Eu sugiro que nós o usemos.” A sugestão pode ser ignorada, mas não a
implicação. Por sua simples existência, a Estrela da Morte convida ao uso e, ao
que parece, justifica a extensão do poder imperial a todos os cantos da
galáxia. O poder de destruir um planeta é o poder de tomar obedientes
populações inteiras. Quando manejada pelo mestre, ela mostra quem são os inimigos
dele e, ao fazer isso, explica e justifica o poder do mestre revelando sua
força.
A Estrela da Morte é a mais espetacular exibição
de poder que não tem medo de ser visto como terrível; mas não é a única
exibição desse poder nem o único meio pelo qual o poder se faz sentir. O
controle do Imperador sobre indivíduos, diferentemente daquele exercido sobre
populações inteiras, deve ser administrado com um grau de flexibilidade que corresponda
ao interesse que ele tem em extrair cada vez mais trabalho útil deles. Para
tomar esses indivíduos úteis e cooperativos, o Imperador pode substituir o medo
especifico de uma ameaça bem definida como a Estrela da Morte pelo terror mais
constante do desconhecido. “O Imperador está vindo aqui?”, um surpreso
comandante pergunta no início de O Retorno de Jedi. “Sim”, responde Vader, “e
ele está muito insatisfeito com sua aparente falta de progresso.” A ameaça é
indefinida e plantada na imaginação do comandante. Quase sem hesitação, ele
responde: “Dobraremos nossos esforços!” Então, uma segunda ameaça mal definida
é lançada no ar: “Espero que sim, comandante, para seu próprio bem. O Imperador
não é tão misericordioso quanto eu.” A “misericórdia” de Vader é lendária,
afinal de contas.
Em outros casos, a ameaça é definida, mas seu
significado é deixado incerto. No confronto com O Imperador, O medo de Luke de Ver
a rebelião fracassar, de se tornar como o pai e de ver sua irmã entregue ao Lado
Negro se torna real. Mas o que significaria ser como seu pai? O fim da rebelião
significa o fim de todas as rebeliões? O que isso realmente significa? Se a
frota rebelde for destruída, seus amigos serão necessariamente mortos? O
Imperador pode encontrar Leia e, se isso acontecer, o que significaria
entregá-la ao Lado Negro? Em nenhum caso Luke é confrontado com um sinal específico
e implacável do que está para acontecendo. Em vez disso, uma teia de medo é
lançada pelo escárnio do Imperador para provocar a raiva de Luke e incitar
aquele poder totalmente humano para superar a razão e ceder ao ódio.
Se o mecanismo do medo explica como o Imperador
exerce seu governo e se relaciona com os súditos, é o ódio que explica o
relacionamento dele com os conselheiros e seguidores mais próximos - Darth
Mau1; o Conde Dooku; e, de modo mais especia1, Darth Vader. Em vez de igualdade
ou reconhecimento, é o ódio que os une, porque esse sentimento é o meio principal
pelo qual cada um percebe a si mesmo e o mundo. Cada um deles é guiado por seu
próprio ódio pela vida e (provavelmente) por si mesmo. Não é de surpreender que
cada um veja no outro um reflexo de si mesmo: algo para ressentir e odiar talvez,
mas também algo inteligível e compreensível; um tipo de área comum.
Vimos anteriormente que o mestre busca iguais com
quem possa se relacionar como um ser autoconsciente. Se Hegel estiver certo e o
mestre nunca for capaz de se satisfazer consigo e com a vida, então não devemos
ficar surpresos com o fato de o Imperador odiar a vida e a si mesmo. Em outras
palavras, é sensato pensar que o ódio se tornará o meio principal pelo qual o
mestre entende sua experiência do mundo e de si mesmo. Como conseqüência, esse
mesmo ódio se constituirá no único meio pelo qual o mestre se relaciona com os
outros como seres autoconscientes; ou seja, como iguais relativos. É claro que
esses relacionamentos serão seriamente empobrecidos e deficientes, como de fato
o são. Mesmo assim, como eles são formados ao redor do principal foco pelo qual
cada um entende a si mesmo (nesse caso o ódio), essas relações serão mais pessoais,
mais fortes e mais duradouras do que qualquer outra que cada um deles possa
ter. Mais do que qualquer outra coisa, isso explica o poder do Imperador sobre seus
seguidores e as respectivas alianças com ele. Como Vader confidencia a Luke,
“eu devo obedecer a meu mestre.”
Vemos isso com mais clareza se pensarmos com cuidado
na evolução de Darth Vader e sua traição final ao Imperador. Vader começa, em Uma
Nova Esperança, como uma incorporação negra de todo o mal. No seu primeiro ato
cinemático, ele quebra o pescoço de um homem enquanto o interroga acerca da
localização de alguns planos roubados. Daí em diante, as coisas ficam piores:
com a compreensão tardia dos filmes mais recentes, vemos que ele permite a
morte dos membros da família de seu padrasto, Owen e Beru Lars; interroga e
tortura a própria filha; mata seu antigo amigo e mentor, Obi-Wan; e quase mata
seu filho na trincheira da Estrela da Morte. Em O Império Contra-Ataca, Vader
não faz nada melhor – em uma série de eventos ele simplesmente mata os
subordinados que falham com ele, em uma forma idealizada de reestruturação
corporativa. E assim, quando chegamos ao último episódio da saga, O Retorno de
Jedi, e descobrimos quem são os pais de Luke, não vemos praticamente nenhuma
razão para pensar que Luke não esteja iludido em acreditar que “ainda existe
algo de bom nele”. Pelo contrário, a suposta luta que Luke sente no pai está enterrada
tão profundamente que, até o momento em que Luke está prostrado diante de um
Imperador assassino, não temos nenhuma indicação de que Vader seja algo mais do
que um servo voluntário do mal. E então, e somente nesse momento, Vader age
para salvar o filho.
Por que ele faz isso? Ou melhor, como Vader supera
o controle que o Imperador tem sobre ele?
Só existe uma resposta possível: Vader vence o
Imperador porque supera seu próprio ódio e alcança uma nova autoconsciência.
Confrontado com a inabalável fé de Luke em sua bondade, Vader percebe a verdade
sobre si mesmo - ele não é um joguete do mal, mas um homem de bondade e nobreza
inerentes. Vader se volta contra o Imperador quando se torna consciente de si
mesmo como algo mais além de um homem cheio de ódio; algo mais do que um escravo.
E essa percepção nasce no momento exato em que Vader fica face a face com a
possibilidade de assistir à morte da única pessoa que viu algo de bom nele -
seu filho Luke.
A luta pessoal de Luke e Vader com seus próprios
medos está no cerne da história mais completa acerca da luta e conflito entre
os Rebeldes e o Império. A resolução dessa luta pessoal representa o momento da
autodescoberta para os dois personagens; um momento em que eles entendem, em
razão da relação mútua, quem de fato são. E a mesma coisa pode ser dita acerca
das lutas maiores que acontecem na saga. Os Ewoks, por exemplo, provam quem e o
que são em seu confronto com o Império. Do mesmo modo, os Naboo e as Federações
do Comércio revelam algo de si mesmos na resposta dada ao colapso da república
e à ascensão dos Sith. Ao que parece, era isso que Hegel tentava nos dizer: no
relacionamento entre mestres e escravos, é o escravo, e não o mestre, quem está
em posição de revelar algo acerca de nossas possibilidades como seres humanos. O
medo pode criar e sustentar relações não iguais; mas, no fim, o desejo de saber
quem e o que somos triunfará.
2 comentários:
Gostei muitíssimo da sua análise. Me ajudou bastante a preparar uma aula sobre Hegel. Obrigado.
Interessante a relação que faz da dialética do senhor e do escravo com saga Star Wars, havendo outras mediações possíveis com organicidade e sistemática hegeliana.
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