sábado, 4 de julho de 2015

STAR WARS E A FILOSOFIA: "QUAL É SEU DESEJO, MEU MESTRE?" - GUERRA NAS ESTRELAS E A LUTA DE HEGEL POR RECONHECIMENTO

Em um dos meus passeios errantes por livrarias, encontrei um livro intrigante: Star Wars e a Filosofia. Achei a proposta muito interessante: uma coletânea de artigos de estudiosos em Filosofia que se debruçaram sobre a saga Guerra nas Estrelas e escreveram artigos explorando elementos significativos da narrativa. O livro é coordenado por William Irving, professor de Filosofia da King's College da Pennsylvania e responsável pela publicação de uma série de livros no campo da "Filosofia e Cultura Popular". Fazem parte dessa coleção livros que abordam narrativas diversas, entre livros filmes e séries de televisão e até explorando o heavy metal:“Metallica e a Filosofia” e “Black Sabbath e a Filosofia”.


"O universo dos filmes de Guerra nas Estrelas é muito complexo, repleto de questões humanas, sociais e políticas que são muito mais profundas do que aparentam ser e influem em nossa galáxia também nos dias de hoje. A fim de discutir aspectos de algumas situações e dos principais personagens da série, Jason T. Eberl, Kevin S. Decker e mais 15 estudiosos de Filosofia, fundamentados em pensadores como Platão, Aristóteles, Heidegger, Hegel, William Clifford e outros, tentam desvendar parte dos grandes mistérios que rondam o filme. Exercemos realmente o livre-arbítrio, ou temos o destino já traçado? O medo é capaz de nos levar ao caminho do mal? A lavagem cerebral é eticamente saudável? Existe uma Força todo-poderosa controlando tudo? Para que serve a guerra? Se máquinas pensassem, estaríamos aqui? O Bem existiria sem o Mal?"

O livro traz, em uma linguagem acessível, dezessete artigos, divididos em quatro partes: 1. Que a Força Esteja Com Você - As Mensagens Filosóficas de Guerra nas Estrelas; 2. Não Tente - Faça Ou não Faça - Ética em Uma Galáxia Muito, Muito Distante; 3. Não Me Chame de Filósofo Descuidado" - Tecnologias Alienígenas e a Metafísica da Força; e 4. Sempre Há Um Peixe Maior - Verdade, Fé e Uma Sociedade Galática.

Como leitora voraz e amante da saga Guerra nas Estrelas, achei a leitura bem instigante. Fiquei animada e já comprei também os que se referem a: O Hobbit, Harry Potter e X-Men. Conforme eu for terminando a leitura de cada um deles, prometo uma postagem. Para dar um gostinho do livro, digitalizei um dos artigos de que mais gostei. Espero que vocês gostem também! 





Guerra nas Estrelas, como o nome sugere, trata de luta e conflito; esperança e renovação; guerra e morte. De um lado, temos os rebeldes, cuja luta para se libertar do domínio e medo imperiais motiva seus defensores e dá vida ao movimento. Do outro lado, existe o Imperador e seus servos que, guiados pelo que o filósofo Friedrich Nietzche (1844-1900) chama de o “desejo de poder”, voluntariamente sacrificam planetas inteiros e sua população em uma tentativa impiedosa de alcançar seus objetivos. A arte de fato imita a vida ou, pelo menos, ressalta uma importante característica dela - ou seja, o exercício de um certo tipo de poder.

Não é difícil entender como nasce esse tipo de poder; o medo é o mecanismo que explica sua existência e força. É o medo de perder a irmã que leva Luke a realizar os desejos do Imperador e atacar seu pai. É o medo que motiva o senado a formar o exército dos clones que, por fim, provoca sua própria queda. E é o medo de perder a mãe que leva o jovem Anakin Skywalker ao caminho para o Lado Negro e faz com que o antigo mestre Jedi, Yoda, recite o mantra de sua religião: “Medo leva à raiva... Raiva leva ao ódio... Ódio leva ao sofrimento.”

O medo ilumina o caminho da escravidão e do sofrimento; o caminho que leva ao Lado Negro. Ao mesmo tempo, no entanto, ele revela um certo modo de exercer o poder - o modo do mestre Sith. O mestre chega a essa posição e mantém seu domínio sobre os aprendizes ou escravos, evocando e jogando com o medo deles, que permanecem nessa condição permitindo que esses medos dominem seu ser. Esse jogo entre poder e medo é o que o filósofo do século XIX Georg Hegel (1770-1831) chamava de “dialética mestre-escravo”. Olhando a saga de Guerra nas Estrelas pela lente da dialética mestre-escravo de Hegel, nós não apenas entenderemos melhor a natureza e os limites do poder do Imperador, mas também por que - além do impulso hollywoodiano de dar um final feliz ao público - o poder fracassou. E, como um bônus, a análise de Hegel nos força a olhar com mais cuidado para o exercício pessoal do poder, trazendo mais alívio aos diferentes personagens da galáxia de Guerra nas Estrelas e suas motivações.

MESTRES E ESCRAVOS: QUEM GOVERNA QUEM?

Certa vez, fizeram a seguinte pergunta a Tales, o primeiro filósofo da tradição ocidental: “Qua1 é a coisa mais difícil?” Ele respondeu: “Conhecer a si mesmo.” Na verdade, Tales acertou o alvo: entender a nós mesmos e o valor e significado de nossas experiências é, na verdade, uma das coisas mais difíceis que podemos fazer. Do mesmo modo, entender como o próprio autoconhecimento é possível, como ele nasce e no que consiste é um dos problemas mais desafiadores enfrentados pelos filósofos. Em Guerra nas Estrelas, dois dos temas mais compelativos são a jornada do autoconhecimento de Luke e a redenção de seu pai como resultado de sua própria descoberta de uma nova identidade, no fim de O Retorno de Jedi.

Por mais improvável que pareça, é o problema do autoconhecimento que acaba por levar Hegel a examinar o relacionamento entre o mestre e o escravo. Para o filósofo, o conhecimento de nós mesmos como indivíduos; o conhecimento do valor e significado de nossos projetos e experiências, necessariamente implica o relacionamento com outras pessoas. Nosso autoentendimento não nasce independentemente dos outros; pelo contrário, ele emerge do contexto do relacionamento com outras pessoas. O reconhecimento (ou falta dele), por parte dos outros, de termos projetos e experiências valiosos e independentes, amolda a maneira como percebemos a nós mesmos. Não é de surpreender, portanto, que o tipo e a qualidade de nosso relacionamento com os outros exerça uma influência direta sobre nossa capacidade de nos conhecer e valorizar a nós mesmos. Alguns relacionamentos podem aumentar nossa capacidade de autoconhecimento, enquanto outros, como o do mestre e do escravo (ou entre o Imperador e seus súditos), distorcem a imagem que temos de nós mesmos. Mas, o que é realmente interessante nisso tudo é o fato de que é o mestre, e não tanto o escravo, que tem o autoentendimento distorcido pelo relacionamento. Vejamos por quê.

Do ponto de vista do autoconhecimento, o indivíduo desenvolve a percepção de si mesmo como indivíduo (ele se torna consciente) quando confronta outra pessoa como ele; alguém capaz de interpretar e entender o mundo.[1] Nesse encontro, um tem a percepção do outro, mas essa percepção traz consigo uma certa tensão. Considerando que o outro é co-intérprete do mundo, ele é um sujeito para quem o mundo se apresenta. Por outro lado, considerando que o mundo é um objeto para ele, o outro também será um objeto dentro do mundo.[2] Quando, por exemplo, Luke e Vader se encontram pela primeira vez em O Império Contra-Ataca, Vader fica dividido. Por um 1ado, ele considera Luke um troféu, um mero objeto de conquista. Por outro lado, ele também vê Luke como um possível rival do Imperador, um igual e um parceiro.

Em ambos os casos, nesse ponto, o indivíduo só tem a percepção de si mesmo dentro de sua capacidade de interpretar e entender o mundo. O que falta a ele é um entendimento de si mesmo como um criador ativo; ou seja, como um ser com projetos e objetivos significativos. Contudo, para se conhecer assim, o indivíduo deve de algum modo formar um mundo de acordo com seu próprio desejo; ele deve, em outras palavras, fazer para si um mundo humano. Nesse momento, e só nesse momento, sua individualidade emergirá e se tornará algo a ser interpretado e entendido pelo outro. O problema é que ser criativo nesse sentido requer que imprimamos nosso desejo aos outros, ordenando nosso mundo. Nesse aspecto, somos todos como O Imperador, tentando refazer o mundo à nossa própria imagem.

A luta começa. Um se recusa a ver o outro como um sujeito co-igual; e um vê no outro um meio de criar o mundo a seu próprio modo. Ambos arriscam tudo na luta de vida e morte pela supremacia, pois é por meio dessa luta que, segundo Hegel conhecemos e valorizamos a vida com todas as suas possibilidades criativas.[3] No fim, um chega à beira do terror e volta atrás, apenas para se tomar escravo do outro. Isso, em termos simples, é como Hegel entende a emergência histórica da relação entre mestres e escravos.

É tentador pensar que nesse ponto o mestre tem o que deseja. Como mestre, pode comandar o trabalho do escravo e fazer do mundo aquilo que quiser. Livre do aborrecimento do trabalho mundano, o mestre pode viver em ricos ambientes, dedicar-se a prazeres fabulosos e fazer tudo o que tem vontade (lembremos de Jabba, o Hutt). Realmente, parece que o mestre tem tudo o que quer, assim como parece que o Imperador, com seus guardas vestidos de vermelho e cortesãos bajuladores, tem o que quer; mas as aparências enganam.

É preciso que seja reconhecido por outro, um igual, que o mestre arriscou tudo para se tornar mestre e não para levar uma vida de prazer. O escravo é um ser humano, mas enquanto continuar escravo não pode dar ao mestre o reconhecimento que ele deseja - o reconhecimento de um igual Por que isso é importante? Hegel assim explica: “A autopercepção existe em si e para si quando, e pelo fato de que, ela existe para o outro; ou seja, ela só existe quando reconhecida.”[4] Embora, com certeza, eu seja algo independente dos outros, o entendimento que tenho de mim mesmo, do valor de meus projetos, do significado e sentido das minhas experiências, depende do modo como os outros me vêem. Naturalmente, eu devo confiar e valorizar os julgamentos dos outros que me avaliam. Se eu os considero diferentes de mim, incapazes de entender ou julgar o valor da minha vida, então as opiniões deles não têm valor para mim. Somente um igual é capaz de me entender do modo que eu me entendo. Assim, se devo obter o reconhecimento que desejo como um ser autoconsciente; se devo entender a verdade sobre mim mesmo e minhas possibilidades como ser humano, então devo buscar um igua1.

Mas isso é impossível para o mestre. Por definição, o mestre “prefere a morte ao reconhecimento servil da superioridade do outro”.[5] E é somente pela morte, sua ou de seu adversário, que o mestre alcança o que deseja - domínio. A possibilidade da coexistência pacífica com co-iguais com outros mestres - é excluída. A luta original (de um lado só) por reconhecimento é meramente transplantada para um novo loca1. Pois, enquanto o mestre se recusa a conhecer o outro como um sujeito co-igual; enquanto ele deseja ser mestre, seus objetivos humanos mais importantes são, e sempre serão, frustrados.

É desnecessário dizer que os objetivos do escravo também são frustrados. Ser um escravo só é uma situação feliz em histórias ruins. Na verdade, a escravatura é uma instituição brutal e desumana, e a breve visão dela que temos em Tatooine, em A Ameaça Fantasma, é branda e disfarçada. Não obstante, a situação para o escravo também não é o que parece à primeira vista.

Para começar, é o trabalho do escravo que cria o mundo das coisas, e por meio desse trabalho ele experimenta a si mesmo como um ser criador. Esse certamente é o caso do jovem Anakin quando trabalha na oficina de Watto. Enquanto o mestre não pode ficar satisfeito consigo mesmo – pois ele só pode escolher uma vida de prazer animal ou voar novamente e morrer no campo de batalha -, o escravo pode superar a si mesmo e à sua situação vencendo os medos. Em O Império Contra-Ataca, a experiência de Luke na caverna e seu subseqüente treinamento Jedi simbolizam a luta e a vitória contra o medo. A princípio, o medo o aprisiona e o impede de agir como um cavaleiro Jedi. Embora alegue que não tem medo, Yoda sabe a verdade e avisa: “Você terá... você terá.” A superação desse medo, por sua vez, constitui uma parte importante do amadurecimento de Luke; durante o duelo na Cidade nas Nuvens, Vader o elogia por vencer o medo. Como conseqüência, é o mestre que representa um beco sem saída histórico. Ele nunca pode ir além do que é e perceber a si mesmo como um sujeito livre e autoconsciente. O escravo, por outro lado, nada tem a perder além do medo; ele pode ir, e irá, além daquilo que é, porque seu desejo não é ser mestre, mas ser 1ivre. Hegel diz que ele encontra a liberdade em seu trabalho; um espaço em que controla seu pequeno e limitado mundo, e reconhece a liberdade de ser “dono da própria mente.”[6]

UM IMPÉRIO DE MEDO E TREMOR

O controle do medo é o negócio do Império; e o medo é a cunhagem do poder que deve se fazer visivelmente terrível para governar. O Imperador, precisamente porque é desigual em relação a seus súditos, não pode exercer o poder todo o tempo. Dentro de um sistema assim, é o excepcionaL o exemplo, que deve circular e demonstrar poder. A decisão de destruir o planeta Alderaan, por exemplo, foi tomada não porque ele representava uma ameaça, mas porque sua visibilidade o tornou um útil espetáculo de força. “Dantooine”, o Grande Moff Tarkin anuncia, “está muito longe para fazer uma demonstração eficiente.” É verdade, o exercício do poder é excessivo, mas não é indiscriminado - seu uso é calculado para maximizar o medo e tornar desnecessário o real emprego da força em outro 1ugar: “O medo manterá os sistemas locais na linha, o medo desta estação de batalha.”

Como todas as armas de destruição em massa, a função militar da Estrela da Morte não pode ser separada com facilidade das suas funções políticas e policiais - seu propósito como um método de controle doméstico. O poder objetivo dela não está no uso rea1, mas na ameaça dele, e aqui está o segredo de sua função política de justificativa do exercício do poder. “Esta estação”, diz um comandante muito zeloso, “é agora o poder supremo no Universo. Eu sugiro que nós o usemos.” A sugestão pode ser ignorada, mas não a implicação. Por sua simples existência, a Estrela da Morte convida ao uso e, ao que parece, justifica a extensão do poder imperial a todos os cantos da galáxia. O poder de destruir um planeta é o poder de tomar obedientes populações inteiras. Quando manejada pelo mestre, ela mostra quem são os inimigos dele e, ao fazer isso, explica e justifica o poder do mestre revelando sua força.

A Estrela da Morte é a mais espetacular exibição de poder que não tem medo de ser visto como terrível; mas não é a única exibição desse poder nem o único meio pelo qual o poder se faz sentir. O controle do Imperador sobre indivíduos, diferentemente daquele exercido sobre populações inteiras, deve ser administrado com um grau de flexibilidade que corresponda ao interesse que ele tem em extrair cada vez mais trabalho útil deles. Para tomar esses indivíduos úteis e cooperativos, o Imperador pode substituir o medo especifico de uma ameaça bem definida como a Estrela da Morte pelo terror mais constante do desconhecido. “O Imperador está vindo aqui?”, um surpreso comandante pergunta no início de O Retorno de Jedi. “Sim”, responde Vader, “e ele está muito insatisfeito com sua aparente falta de progresso.” A ameaça é indefinida e plantada na imaginação do comandante. Quase sem hesitação, ele responde: “Dobraremos nossos esforços!” Então, uma segunda ameaça mal definida é lançada no ar: “Espero que sim, comandante, para seu próprio bem. O Imperador não é tão misericordioso quanto eu.” A “misericórdia” de Vader é lendária, afinal de contas.

Em outros casos, a ameaça é definida, mas seu significado é deixado incerto. No confronto com O Imperador, O medo de Luke de Ver a rebelião fracassar, de se tornar como o pai e de ver sua irmã entregue ao Lado Negro se torna real. Mas o que significaria ser como seu pai? O fim da rebelião significa o fim de todas as rebeliões? O que isso realmente significa? Se a frota rebelde for destruída, seus amigos serão necessariamente mortos? O Imperador pode encontrar Leia e, se isso acontecer, o que significaria entregá-la ao Lado Negro? Em nenhum caso Luke é confrontado com um sinal específico e implacável do que está para acontecendo. Em vez disso, uma teia de medo é lançada pelo escárnio do Imperador para provocar a raiva de Luke e incitar aquele poder totalmente humano para superar a razão e ceder ao ódio.

Se o mecanismo do medo explica como o Imperador exerce seu governo e se relaciona com os súditos, é o ódio que explica o relacionamento dele com os conselheiros e seguidores mais próximos - Darth Mau1; o Conde Dooku; e, de modo mais especia1, Darth Vader. Em vez de igualdade ou reconhecimento, é o ódio que os une, porque esse sentimento é o meio principal pelo qual cada um percebe a si mesmo e o mundo. Cada um deles é guiado por seu próprio ódio pela vida e (provavelmente) por si mesmo. Não é de surpreender que cada um veja no outro um reflexo de si mesmo: algo para ressentir e odiar talvez, mas também algo inteligível e compreensível; um tipo de área comum.

Vimos anteriormente que o mestre busca iguais com quem possa se relacionar como um ser autoconsciente. Se Hegel estiver certo e o mestre nunca for capaz de se satisfazer consigo e com a vida, então não devemos ficar surpresos com o fato de o Imperador odiar a vida e a si mesmo. Em outras palavras, é sensato pensar que o ódio se tornará o meio principal pelo qual o mestre entende sua experiência do mundo e de si mesmo. Como conseqüência, esse mesmo ódio se constituirá no único meio pelo qual o mestre se relaciona com os outros como seres autoconscientes; ou seja, como iguais relativos. É claro que esses relacionamentos serão seriamente empobrecidos e deficientes, como de fato o são. Mesmo assim, como eles são formados ao redor do principal foco pelo qual cada um entende a si mesmo (nesse caso o ódio), essas relações serão mais pessoais, mais fortes e mais duradouras do que qualquer outra que cada um deles possa ter. Mais do que qualquer outra coisa, isso explica o poder do Imperador sobre seus seguidores e as respectivas alianças com ele. Como Vader confidencia a Luke, “eu devo obedecer a meu mestre.”

Vemos isso com mais clareza se pensarmos com cuidado na evolução de Darth Vader e sua traição final ao Imperador. Vader começa, em Uma Nova Esperança, como uma incorporação negra de todo o mal. No seu primeiro ato cinemático, ele quebra o pescoço de um homem enquanto o interroga acerca da localização de alguns planos roubados. Daí em diante, as coisas ficam piores: com a compreensão tardia dos filmes mais recentes, vemos que ele permite a morte dos membros da família de seu padrasto, Owen e Beru Lars; interroga e tortura a própria filha; mata seu antigo amigo e mentor, Obi-Wan; e quase mata seu filho na trincheira da Estrela da Morte. Em O Império Contra-Ataca, Vader não faz nada melhor – em uma série de eventos ele simplesmente mata os subordinados que falham com ele, em uma forma idealizada de reestruturação corporativa. E assim, quando chegamos ao último episódio da saga, O Retorno de Jedi, e descobrimos quem são os pais de Luke, não vemos praticamente nenhuma razão para pensar que Luke não esteja iludido em acreditar que “ainda existe algo de bom nele”. Pelo contrário, a suposta luta que Luke sente no pai está enterrada tão profundamente que, até o momento em que Luke está prostrado diante de um Imperador assassino, não temos nenhuma indicação de que Vader seja algo mais do que um servo voluntário do mal. E então, e somente nesse momento, Vader age para salvar o filho.

Por que ele faz isso? Ou melhor, como Vader supera o controle que o Imperador tem sobre ele?

Só existe uma resposta possível: Vader vence o Imperador porque supera seu próprio ódio e alcança uma nova autoconsciência. Confrontado com a inabalável fé de Luke em sua bondade, Vader percebe a verdade sobre si mesmo - ele não é um joguete do mal, mas um homem de bondade e nobreza inerentes. Vader se volta contra o Imperador quando se torna consciente de si mesmo como algo mais além de um homem cheio de ódio; algo mais do que um escravo. E essa percepção nasce no momento exato em que Vader fica face a face com a possibilidade de assistir à morte da única pessoa que viu algo de bom nele - seu filho Luke.

A luta pessoal de Luke e Vader com seus próprios medos está no cerne da história mais completa acerca da luta e conflito entre os Rebeldes e o Império. A resolução dessa luta pessoal representa o momento da autodescoberta para os dois personagens; um momento em que eles entendem, em razão da relação mútua, quem de fato são. E a mesma coisa pode ser dita acerca das lutas maiores que acontecem na saga. Os Ewoks, por exemplo, provam quem e o que são em seu confronto com o Império. Do mesmo modo, os Naboo e as Federações do Comércio revelam algo de si mesmos na resposta dada ao colapso da república e à ascensão dos Sith. Ao que parece, era isso que Hegel tentava nos dizer: no relacionamento entre mestres e escravos, é o escravo, e não o mestre, quem está em posição de revelar algo acerca de  nossas possibilidades como seres humanos. O medo pode criar e sustentar relações não iguais; mas, no fim, o desejo de saber quem e o que somos triunfará.





[1] G.W.F. Hegel. Fenomenologia do Espírito.
[2] Ib.
[3] Ib.
[4] Ib.
[5] Hegel’s Dialetic of Desire and Recognition: Texts and Commentaries, editado por John O’Neil (New York: State University of New York Press, 1966), p. 55.
[6] Hegel. Fenomenologia do Espírito.

2 comentários:

Convoque sua Sociologia disse...

Gostei muitíssimo da sua análise. Me ajudou bastante a preparar uma aula sobre Hegel. Obrigado.

Eduardo Facirolli disse...

Interessante a relação que faz da dialética do senhor e do escravo com saga Star Wars, havendo outras mediações possíveis com organicidade e sistemática hegeliana.