quarta-feira, 16 de julho de 2008

Nós, Seres Humanos...

“Eu sou mais as palavras honestas que as mentiras dos grandes amores,

melhor liberdade que fingir nas festas pequenos favores... (Aldir Blanc)


Tenho refletido muito a respeito de relacionamentos amorosos. Separada há pouco tempo, senti a necessidade de não só refletir a respeito do meu casamento terminado, mas também a respeito de novos relacionamentos que passaram a surgir como possibilidades. Inicialmente, via relacionamentos entre mulheres e homens em suas especificidades. Afinal, o homem é “assim”... a mulher é “assado"... O que se pode dizer ou não para um homem, ou para uma mulher, como seduzir, como manter um relacionamento, todas foram questões com as quais me deparei... No entanto, havia algo de radicalmente errado nessa perspectiva pra mim. Não queria fazer generalizações, não queria dissimular meus desejos, minhas necessidades, meus valores no sentido de “facilitar” o relacionamento, de “fisgar” o outro. Não queria participar dos jogos de sedução que, na maioria das vezes, se revelam jogos de dissimulação: finjo que sou o que não sou para que o outro se interesse por mim, e assim, traio a confiança do outro que, mais cedo ou mais tarde, se sentirá enganado/a. E traio também a mim mesmo porque quem recebe o amor do outro não sou eu, mas uma “persona” que construí para “fisgá-lo/a”.

Aos poucos, fui amadurecendo algumas idéias que decidi compartilhar com outras pessoas por meio desse texto. Comecei admitindo que ser homem e ser mulher são construções, papéis social e historicamente definidos numa relação que sempre foi de poder. Assim, se parto desse ponto, estarei sempre numa situação de “nós” e “eles” (ou “elas”), disputando o seu espaço, encarando o outro como um inimigo a ser conquistado. A palavra conquista, tão comum quando se fala em relacionamentos, já revela algo de inadequado: conquistar é dominar, vencer o outro, submetê-lo a nossa vontade, é lutar pelo poder. É esse o único tipo de “relacionamento” que pode se estabelecer entre homem e mulher? É esse tipo de relacionamento que quero pra mim? Vale a pena?

Em busca de uma alternativa, que tal partir de outra perspectiva: de nos vermos todos como “seres humanos”? Mas o que é ser humano? Há definições e debates o suficiente a respeito desse assunto e nenhum consenso. Opto, portanto, por uma das facetas da “humanidade” que me toca pessoalmente. Em um curta-metragem brasileiro chamado “Ilha das Flores” de Jorge Furtado, fartamente premiado internacionalmente, há uma reflexão interessante sobre o assunto. Em sua conclusão surge a opção por definir liberdade como condição inegociável para podermos nos dizer humanos. Assim, o que caracterizaria o ser humano é a liberdade. E, ao meu ver, o que determina nossa liberdade é a possibilidade de escolha. Sou livre quando posso escolher.

Amor só existe se temos liberdade de escolha. Casamos porque ambos escolhemos ser exclusivos, sermos fiéis? Caso um dos dois mude de idéia, deve dar ao outro a possibilidade de escolher se quer viver nessa nova condição ou não. “Ah, mas se eu contar, ele/ela não vai querer, vai me abandonar...” Então fingimos, dissimulamos, enganamos, esquecendo que quando retiramos do ser humano a sua possibilidade de escolha, desumanizamos o outro, escravizamos o outro. Estabelecemos uma relação de poder e matamos o amor.

E, aqui, destaco que estamos falando de direitos fundamentais dos seres humanos, sejam eles homens ou mulheres. Se uma mulher engravida deliberadamente de um homem sem que ele queira, retira dele o direito de escolher entre ser pai ou não. Se um homem busca um relacionamento meramente sexual, mas age como se pretendesse manter um relacionamento mais profundo, dissimula, não respeita o direito que a mulher tem de escolher entre manter esse tipo de relacionamento ou não.

Para começar, sejamos honestos conosco mesmos: pensamos e agimos baseados na idéia de que se eu disser a verdade ele ou ela vai discutir, “criar caso”, me desprezar ou até me abandonar, portanto, precisamos omitir, enganar, dissimular. Traímos o outro com pequenas e grandes mentiras que achamos que temos o direito de dizer para mascararmos nossas escolhas e impedir que o outro faça as suas. Então, que fique claro que desumanizamos nosso companheiro/a, transformamos o outro em “coisa a ser retida”, impomos nossos desejos e vontades.

Daí, casamento significa prisão para muitos, falta de liberdade, já que temos que ceder aos desejos do outro... Analisemos um pouco essa questão. Num contexto de sinceridade, respeito e honestidade de um para com o outro e, portanto, se sabemos em que situação nos encontramos e quais são nossas opções, podemos e devemos assumir a responsabilidade de nossas escolhas. Desse modo, se me casei dizendo que gostaria de ter filhos, mas, passados alguns anos, chego a conclusão de que não os quero, devo dizer isso honestamente ao meu companheiro/a para que ele/ela tenha o direito de escolher se quer permanecer comigo mesmo assim, e abrir mão de seu desejo, ou não. Mas, que fique claro, se ele/ela resolve ficar comigo apesar de minha decisão, deve lembrar que também fez uma escolha, já que fui honesto/a e respeitei seu direito de optar.

Quantas vezes no final de um relacionamento um dos dois fala: “Eu deixei de fazer isso por sua causa!” E ouve de volta: “Quem disse a você que eu queria que você abrisse mão disso?” Nos dividimos entre algozes e vítimas daqueles a quem nos propomos amar, esquecendo que fazer escolhas supõe assumir as responsabilidades e as conseqüências delas. Sem esquecer que cobranças são filhas do que prometemos ou fingimos oferecer, mas não pretendemos cumprir, ou ainda do que o outro esperava de nós, mas não nos disse honestamente para que pudéssemos avaliar se queremos ou podemos corresponder.

Pois é... Que tal enterramos definitivamente expressões e lugares comuns nos nossos relacionamentos tais como: “Você está me sufocando...; “Se você me amasse, você não agiria assim...”; “Eu não permito que você faça isso...”; “O que os olhos não vêem, o coração não sente...”; “Foi só sexo, mas eu amo é você...”; O que custa você fazer isso por mim?...” e tantas outras frases desonestas, que visam apenas manipular o parceiro/a, fazer com que ele faça o que queremos, sem direito a escolha...

Sou um ser humano. Quero respeito e honestidade. Quero poder ser sincera e direta com os homens e espero que eles sejam sinceros comigo. Que nós possamos fazer nossas escolhas todos os dias... Assim, fazendo sexo ou dormindo junto, que o outro possa ter a certeza de que se estou ali é porque realmente quero estar; indo ao cinema ou a uma festa acompanhada ou sozinha, que o outro possa ter a certeza de que saí, mas vou voltar, porque eu disse, e mais importante, porque eu quero voltar...

Enfim, meu sonho é poder ter um relacionamento em que confiar não seja “coisa de gente tola e ingênua, que não sabe nada da vida...”, que confiança não seja mais uma palavra vazia, mas cheia de significados: fruto do respeito, da honestidade e da amizade, da compreensão e do amor que dedicamos ao outro...

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