Esse é o livro que trata da Saga Harry Potter e a Filosofia. O livro está dividido em cinco partes - 1. A Horcrux da Questão: Destino, Identidade e Alma; 2. A Mais Poderosa de Todas as Magias; 3. Observatório Potter: Liberdade e Política; 4. A Sala Precisa: Uma Miscelânea de Potter; e 5. Além do Véu: Morte, Esperança e Sentido.
As próximas postagens serão sobre os livros: O Hobbit e o e X-Men. Aguardem!
É sempre errado usar uma poção do amor? A morte é algo a ser temido... ou governado? O que Severo Snape pode nos ensinar sobre a possibilidade de redenção? O amor é a magia mais poderosa entre todas? Com base em todos os sete livros da série Harry Potter, A Versão Definitiva de Harry Potter e a Filosofia oferece uma mistura poderosa de intuições sobre o bem e o mal, amor, morte, poder, sacrifício e esperança. É verdade, como Dumbledore diz, que nossas escolhas revelam muito mais sobre nós do que nossas habilidades? Existe vida após a morte, e como deve ser essa vida? Aqui está uma memória penseira para seus pensamentos. Portanto, dê um bom gole do Elixir de Cérebro de Baruffio e se reúna ao Exército de Bassham de filósofos talentosos na exploração das questões profundas e capazes de expandir a mente dos livros e filmes sobre Potter.
Para dar um gostinho do livro, digitalizei aqui um dos artigos de que mais gostei. Espero que vocês gostem também!
Se quiser ler a minha postagem sobre "Star Wars e a Filosofia", siga para:
Embora
Harry “sentisse um prazer selvagem em culpar Snape” pela morte de Sirius Black,
atenuando seu próprio sentimento de culpa, ele não consegue fazer o Professor
Dumbledore concordar com ele.”[1] De fato, Dumbledore
considera Severo Snape de total confiança, apesar de todas as aparências
indicarem o contrário. Pode ser tentador atribuir a suspeita de Harry à imaturidade
emocional, mas, além de Dumbledore, nenhum
membro da Ordem da Fênix confia com sinceridade em Snape. Depois que Snape mata
Dumbledore, a Professora McGonagall murmura: “Todos nós ficávamos imaginando...
mas [Dumbledore] confiava... sempre”[2] Ela continua: “Ele sempre
insinuou que tinha um motivo muito forte para confiar em Snape... Dumbledore...
disse-me, de forma explícita, que o arrependimento de Snape era absolutamente
genuíno”.[3]5l Com tantas vidas em
risco, como Dumbledore poderia ter tanta certeza de que Snape era leal c confiável?[4]
Em
uma palavra, a resposta é amor - não o amor de Dumbledore por Snape, nem o de
Snape por Harry, mas o amor de Snape por Lílian Potter, a mãe de Harry. Embora
Lílian não corresponda ao amor romântico de Snape, este nunca deixa de amá-la,
e esse amor por fim leva, de maneira indireta, contudo, à sua redenção.
Os
esclarecidos 1eitores contemporâneos podem sorrir de forma indulgente diante da
retórica do amor e da redenção, atribuindo-a ao sentimentalismo de J. K.
Rowling. Afinal, por que pensar que o amor é um bom motivo para confiar em
Snape? Fica muito claro que Snape não gosta, e mesmo odeia, Harry, Sirius e
outros. Dumbledore não deveria se preocupar de que essa malícia prevalecesse?
Além disso, por que pensar que Snape tenha se redimido? Esse ódio já não seria
prova do contrário? Se ele tivesse se redimido, alguém poderia argumentar,
então, que esses sentimentos teriam passado. Apelos ao amor e seu poder transformador
estão, é claro, presentes por toda a literatura, mas tais noções não são, a
princípio, apenas antiquadas, excêntricas e simplistas? O que um filósofo diria
sobre uma coisa dessas? Na Verdade, os filósofos tiveram e ainda têm muito a
dizer sobre o amor. Eles exploraram a natureza do amor, as variedades do amor,
e mesmo a forma como o amor pode deixar-nos cegos e levar-nos a erros de
julgamento. A série Potter, e Snape em particular, nos oferece uma chance de
explorar tais questões também.
Snape e a Coisa Tão
Esplendorosa
De
Platão (cerca de 428-348 a.C.) a C. S. Lewis (1898-1963), o amor tem sido um
tema recorrente e proeminente entre os grandes pensadores. Seja qual for sua
fonte ou seu significado último, a coisa tão esplendorosa que é o amor tem
servido de inspiração a poetas e dramaturgos, romancistas e ensaístas,
filósofos e teólogos. A proeminência do amor como um tema nos livros de Potter
não pode deixar de ser notada. O amor de Lílian salva e protege Harry. O amor
de Harry derrota o Professor Quirrell e evita que Lorde Voldemort se apodere da
mente de Harry. E a fraqueza fatal de Voldemort, Dumbledore nos diz, é ele nunca
entender que o amor é a mais poderosa de todas as magias.
Em
sua recusa a reduzir o amor a algo meramente retórico ou sentimental, Rowling une-se
a uma vertente filosófica de elite. Os filósofos gregos distinguiam três tipos
de amor: eros, filia e ágape. Eros,
ou o amor erótico, é o tipo de amor encontrado nos relacionamentos românticos.
O Sr. e a Sra. Weasley, Rony Weasley e Hermione Granger e Harry Potter e Gina Weasley são bons exemplos
desse amor. Na filosofia ocidental a análise mais famosa do amor erótico está
contida em O Banquete [ou Symposium]
de Platão, no qual este filósofo procura mostrar como os desejos físicos rudes
podem ser refinados de maneira progressiva para elevar a alma a coisas belas e
divinas. Filia é o amor da amizade. É importante notar que a amizade é, de
fato, uma espécie de amor - o que leva à observação triste e comovente de
Dumbledore de que Voldemort nunca teve um amigo ou sequer quis um. Na Verdade,
para os antigos gregos e romanos, a amizade era, em geral considerada superior
ao amor romântico.[5] O
terceiro tipo de amor, ágape, é o amor universal, gratuito e incondicional.
Quando os evangelistas nos dizem que “Deus é amor”, é ágape que eles têm em
mente.
Relatos filosóficos tradicionais sobre o amor ajudam-nos a compreender o
caráter complexo de Snape, porque eles enfatizam que o amor não é fundamentalmente
um sentimento, mas sim uma escolha, um ato da Vontade. De uma maneira ideal,
nossas emoções estarão em harmonia com o que acreditamos ser bom, mas nós
podemos agir pelo bem mesmo quando nossas emoções se rebelam. O fato de Snape
continuar a ter sentimentos conflitantes não prova que ele não tenha sido transformado
pelo amor. Ao contrário, a habilidade de Snape em agir de maneira consistente
pelo bem dos outros, apesar de sua indiferença emocional ou mesmo de não gostar
de tais pessoas, atesta a força de seu amor por Lílian.
Os Garotos
Abandonados
Snape é um personagem que intriga, em parte,
porque suas origens são as mesmas de Voldemort e de Harry. Como Harry e
Voldemort, Snape tem sangue mestiço, o que levanta suspeita e aversão em parcelas
tanto do mundo dos Trouxas quanto do mundo dos bruxos. Desesperado para se
associar à família de sua mãe, os Prince, e minimizar sua ascendência Trouxa,
Snape dá a si mesmo o apelido de “O Príncipe Mestiço” ou “O ‘Prince’ Mestiço”.
Tendo crescido em uma casa onde os pais estavam sempre em conflito, Snape
encontrou sua primeira experiência real de um lar em Hogwarts - de novo como
Harry e Voldemort - usando seus poderes mágicos e fazendo alianças no mundo dos
bruxos. Como Harry observa, ele, Voldemort e Snape, “os garotos abandonados,
tinham todos encontrado um lar ali [em Hogwarts]”[6]. Os três também pendiam
para a Sonserina, mas apenas Harry não acabou 1á.
É claro, Harry e Voldemort tomaram caminhos
bastante diferentes. Voldemort optou pelo poder em detrimento do amor, o
egoísmo em detrimento do altruísmo, a sedução em oposição à vulnerabilidade da amizade
e de relacionamentos verdadeiros de qualquer espécie. Em nítido contraste,
Harry abriu seu coração para os amigos e estava disposto a se sacrificar por aqueles
a quem amava. Em vez de escolher uma psique fragmentada, como Voldemort, Harry
permitiu que seus amigos o tornassem uma pessoa melhor com relação à sua integridade
e totalidade.
Muito já se escreveu sobre os padrões de bem e mal
que Harry e Voldemort representam respectivamente, mas e quanto a este terceiro
garoto perdido, este amálgama complicado de trevas e luz, o agente duplo e
assassino de Dumbledore, o protetor e adversário de Harry? O que motiva Snape?
Snape, O
Oclumente
Snape é um personagem complicado não apenas por
ser um agente duplo, mas porque sua lealdade fora, na verdade, dividida no
passado, e sua razão e suas emoções continuam divididas. No início, Snape tinha
sido um Comensal da Morte; depois de seu arrependimento, Dumbledore pede que
ele assuma o perigoso papel de informante quando da volta do Lorde das Trevas.
Para tanto, Snape deve conquistar a confiança total de Voldemort. Ele não pode
trair sua lealdade a Dumbledore nem seu compromisso de proteger os inimigos de
Voldemort, e Harry em especial. Sua raiva, e às vezes até ódio, de Harry (e
outros) são reais, mas, na mesma medida, sua atitude de se colocar em risco e
sua coragem de combater Voldemort são reais.
Snape não decide proteger Harry e os outros
inimigos de Voldemort por ter grande afeição pessoal por eles - as delicadezas
cálidas associadas à atual noção superficial e pouco substancial do “amor”. Ao
contrário, ele decide agir por aquilo que sabe ser o melhor para eles, apesar
de não gostar de muitos deles de maneira acentuada. O amor, entendido como o
desejo do bem-estar do outro, pode ser encontrado não somente nas retratações
descritivas feitas por Rowling, mas em escritores que trataram do tema do amor,
desde Aristóteles a São Tomás de Aquino até M. Scott Peck, apesar da distância
cultural e temporal entre eles. Eles compartilham uma compreensão do amor expresso
na amizade como o desejo do bem-estar do outro apenas por causa do amor pelo
outro.[7] Repetidas vezes, a decisão
entre optar por promover um bem próprio aparente à custa dos outros ou sacrificar
esse bem próprio pelo bem dos outros é cruel nos livros de Potter. O amor
requer autossacrifício, vincula a felicidade de alguém ao bem-estar de outra
pessoa, torna a pessoa vulnerável à perda e à mágoa, e fortalece seu comprometimento
com o bem.
Esses pensadores enfatizam também que sentimentos
fortes transformam-se em bons ou maus com relação à moral quando influenciam nossa
motivação e vontade, ou seja, quando os sentimentos afetam nossa compreensão do
que é bom ou mau e o modo como agimos. No caso de Snape em particular, o amor
não é encontrado nos sentimentos, mas principalmente nas ações; ele se
arrepende por causa do amor, e encontra a redenção ao escolher agir por amor.[8] Resumindo, é o amor de Snape
por Lílian que motiva, em primeiro lugar, as ações que o levam à redenção.
Quando Dumbledore percebe que Voldemort e Harry
podem compartilhar os pensamentos e emoções um do outro, ele pede a Snape que ensine
Oclumência a Harry, uma técnica mágica para fechar “a mente contra a intrusão e
influência mágicas”.[9] Voldemort tem uma habilidade
notável de obter acesso a pensamentos e lembranças dos outros, tornando a
detecção de mentiras algo quase certo. “Apenas aqueles peritos em Oclumência”,
diz Snape, “são capazes de ocultar e bloquear aqueles sentimentos e lembranças
que contradizem a mentira e assim dizer falsidades em sua presença sem que
sejam detectados.” [10] Enquanto agente duplo de
Dumbledore, Snape consegue com regularidade o que poucos são capazes de fazer
sequer uma vez: mentir com sucesso perante Voldemort. Snape é bem-sucedido não
apenas devido à inteligência e astúcia, revelando informações suficientes a fim
de parecer um informante valioso enquanto retém os pontos mais importantes, mas
também por meio de uma completa proeza mágica.
A perícia de Snape em Oclumência revela tanto sua
força quanto sua fraqueza de caráter. O Oclumente bem-sucedido está vazio de
emoções pessoais, algo que Harry não consegue. Snape fala de maneira furiosa:
“Os tolos que mostram clara e abertamente seus sentimentos através de suas
atitudes, que não conseguem controlar suas emoções, que chafurdam em lembranças
tristes e permitem-se ser provocados com facilidade - em outras palavras,
pessoas fracas - não têm qualquer chance contra os poderes [de Voldemort]!”[11] Snape sobrevive não por renunciar
ao seu amor por Lílian da maneira que Voldemort tinha renunciado ao amor e à
amizade. Antes, Snape oculta seu amor de Voldemort Embora essa habilidade de
esconder lembranças e emoções seja crucial para seu papel de agente duplo, ela
também isola Snape da amizade. Os capítulos finais de As Relíquias da Morte
revelam a profundidade do sacrifício e da coragem de Snape. Quando está
morrendo por conta da picada de Nagini, Snape transmite a Harry uma avalanche
de lembranças revelando o seu amor por Lílian e a proteção secreta aos inimigos
de Voldemort. Snape permanece o perfeito Oclumente. Suas lembranças não podem
ser tiradas à força; elas devem ser oferecidas livremente. Apenas quando está
morrendo ele permite a Harry o acesso aos seus pensamentos e sentimentos,
relevando que Harry é uma Horcrux e
mostrando a ele o que deve ser feito para derrotar Voldemort.
A Escolha
de Snape
Desde a infância, Snape ama Lílian Evans, embora
de maneira egoísta no início. Ele a observa com “cobiça indisfarçável” enquanto
sonha com Hogwarts, como uma fuga de sua família e uma maneira de obter aceitação
do mundo da magia, apesar de sua ascendência meio-trouxa.[12] Em Hogwarts, no entanto,
ele ainda é um desajeitado forasteiro, lutando agora com Tiago Potter, para
quem tudo, em especial magia e Quadribol vem com grande facilidade. Pior, Snape
sabe que Thiago Potter está apaixonado por Lílian.
O amor de Snape por Lílian começa a redimi-lo, ainda
que de modo lento a princípio. Quando Lílian é uma criança, ela pergunta a Snape
se o fato de ter nascido Trouxa faz diferença; depois de hesitar, ele responde
que não. Quando Lílian é uma adolescente, tendo refutado a antiga crença falsa
de Snape sobre a superioridade do sangue bruxo, ela o defende contra Tiago e
seus amigos, apenas para ouvir o mortificado Snape chamá-la de Sangue-ruim. Ele
pede desculpas, mas Lílian recusa-se a defendê-lo dali em diante. Com a amizade
desfeita, Snape opta pela Magia Negra e os Comensais da Morte. Mais tarde,
contudo, ele se lembraria dessa lição dolorosa e cara e, como diretor,
repreende o retrato de Fineus Nigellus por referir-se a Hermione Granger como uma
Sangue-ruim.
Depois de contar a Voldemort, de forma obediente,
a profecia que ouviu por acaso sobre a criança que desafiaria o Lorde das
Trevas, Snape implora a Dumbledore que proteja Lílian. Dumbledore pergunta:
“Você não poderia implorar misericórdia pela mãe, em troca do filho?”. Snape
assegura a Dumbledore que tentou, ao que Dumbledore responde: “Você me dá nojo...
Você não se importa, então, com as mortes do marido e do filho dela? Eles podem
morrer desde que você consiga o que quer?”[13]. O amor de Snape ainda
não é puro; ele não ama Lílian como o que Aristóteles chama de um “segundo eu”[14] Antes, ele deseja o bem de
Lílian no que se refere a ele. Se ele tivesse desejado o bem de Lílian por amor
a ela mesma, ele teria o intento de proteger aqueles que eram os mais preciosos
para ela, também. Snape cede, prometendo “qualquer coisa” em troca da proteção
de Dumbledore à família. Depois da morte de Lílian, Dumbledore pede a Snape
para agir conforme seu amor por Lílían, protegendo seu filho amado.
O amor romântico de Snape por Lílian está
contaminado pelo egoísmo no início, mas ele aprofunda-se ao aceitar o papel que
Dumbledore propõe. Platão reflete sobre uma forma similar de aprofundamento do
amor em O Banquete, o qual apresenta vários
personagens tentando descrever e louvar o amor. Em O Banquete, a professora de Sócrates, Diotima, afirma: “Amar é
ansiar possuir o bem para sempre”[15].68 A “posse” do bem não é
a satisfação do desejo egoísta de um eros superficial que valoriza o ser amado
por aquilo que ele oferece àquele que ama, mas é, ao contrário, um vínculo com
o ser amado que leva aquele que ama em direção ao ser amado como um bem independente.
Aquele que ama busca “dar à luz em beleza”, seja a crianças ou a ideias e virtudes.[16] O amor abre-se ao eterno
ao estender o amor dos pais aos seus filhos ou ao construir virtude e amor a partir
daquilo que é transcendente naquele que ama. Rowling dá exemplo de ambos os
casos. Por amor, Tiago e Lílian sacrificam-se, de forma voluntária, um pelo
outro e por Harry. O amor romântico de Snape por Lílian, embora não correspondido,
de fato “traz à 1uz”, de maneira gradual a virtude em Snape. Depois que Snape
se compromete a combater Voldemort, o egoísmo anterior, por fim, desvanece.
Refletindo sobre o refinamento do amor romântico
no contexto na tradição cristã, o Papa Bento XVI comenta que “o amor visa à
eternidade. Sim, o amor é êxtase, não no sentido de um instante de inebriamento,
mas como caminho, como êxodo permanente do eu fechado em si mesmo para a sua
libertação no dom de si.”[17] O amor de Snape por
Lílian o impulsiona para além do desejo egoísta e o transforma de maneira
fundamental. O amor de Snape por Lílian, que continua mesmo após a morte dela,
encoraja-o a escolher atitudes que, de maneira gradual tornam o amor dele mais
parecido com o dela, voltado ao bem dos outros e capaz de autossacrifício. Seu
amor por Lílian o 1eva a se colocar, como Tiago e Lílian, entre Voldemort e
Harry.
Um Trabalho
em Andamento
A decisão de Snape de combater Voldemort e
proteger Harry permanece firme, mas seu caráter não muda de maneira
instantânea. Aqui, podemos ver o dano do Vício e o trabalho da Virtude: ambos
são hábitos, construídos ao longo do tempo. A mudança dos sentimentos e do comportamento
de alguém requer vigilância e esforço. Exigindo que Dumbledore mantenha seu
papel em segredo, Snape ainda se enfurece com seus atormentadores diários na
escola, vendo em Harry toda a arrogância de Tiago e divertindo-se com seus
fracassos e punições.[18] A semelhança física de
Harry com Tiago deixa Snape cego aos traços de caráter compartilhados por Harry
e sua mãe. Os padrões emocionais e de comportamento de Snape continuam a
bloquear amizades, mas ao menos suas ações o unem à causa daqueles que combatem
Voldemort.
Snape também continua a compartilhar, de modo
parcial, a juízo falso de Voldemort de que aqueles que guiam suas ações pelo
amor são fracos. Snape cospe esse insulto a Harry durante as aulas de Oclumência.
Harry é fraco porque não consegue esconder seus pensamentos e sentimentos de
amor. Da mesma forma, quando Snape encontra o Patrono modificado de Ninfadora
Tonks, ele escarnece: “Eu acho que você estava melhor com o anterior... O novo
parece fraco”.[19]72
Em situações raras, “um grande choque... [ou] uma comoção emocional” pode modificar
um Patrono.[20]
Tonks apaixonou-se por Remo Lupin (um 1obisomem) e seu Patrono é agora um 1obo.
É possível presumir que o lobo em si não “parece fraco”. Em vez disso, a
mudança é evidência de seu amor, ou, de maneira alternativa, evidência de que o
amor a transformou. É esse amor - em particular pelo desprezado Lupin – que Snape
acha fraco. Mas o próprio patrono de Snape, uma corça, oferece testemunho eloquente
contra sua assertiva. O amor de Snape por Lílian alterou o Patrono daquele para
se corresponder e harmonizar ao desta. Sua defesa mais forte contra ameaças mágicas
é agora um emblema de sua amada e sua transformação pelo amor - apesar da
habilidade de Snape em bloquear suas emoções e lembranças.
O Patrono de Snape demonstra a noção de
Aristóteles do ser amado enquanto um segundo eu; é tanto uma extensão mágica de
si mesmo quanto uma manifestação de seu amor por Lílian. Da mesma forma, Harry
é protegido pelo amor de seus pais: seu Patrono é o cervo de Tiago, e o amor, a
ponto do autossacrifício, de Lílian transforma-se literalmente em parte de seu
corpo, protegendo-o de Voldemort. Em contraste, Voldemort protege-se criando
Horcruxes. Por amor, confia-se parte da própria alma ao outro, desta maneira um
amigo compartilha as alegrias e tristezas do outro e age pelo bem deste, mesmo
quando o sacrifício é exigido. A amizade fortalece a integridade da almaz: amigos
tornam-se pessoas melhores agindo pelo bem dos outros e construindo virtude. Em
suma, amar nos faz humanos de uma forma mais completa. Mas Voldemort confia sua
alma a objetos que não podem compartilhar suas alegrias e tristezas ou exigir
qualquer coisa dele. Com as Horcruxes, Voldcmort tem oito “eus”, mas cada
divisão de sua alma o torna menos humano.
Snape consegue agir com coragem, não em razão de
suas crenças e emoções anteriores terem sido expurgadas no todo, mas porque ele
escolhe, de maneira deliberada, agir em conformidade com o amor – no sentido de
fazer o que é melhor para os outros. Neste ponto, a coragem de Harry e a de
Snape são semelhantes porque, para cada um deles, um ato de vontade é exigido
para renunciar ao que se quer e escolher o autossacrifício de forma consciente.
Harry mostra que o amor conquista a morte por meio do livre autossacrifício.
Antes de reagir apenas (mesmo que de forma virtuosa), Harry escolhe de modo
consciente. Harry observa como teria sido mais fácil uma morte escolhida no
momento, como se jogar na frente de uma maldição, como seus pais fizeram.[21]
De forma semelhante, Snape não fez seu sacrifício
pelo bem em um único ato dramático.[22] Ele optou, de modo
consciente, e por anos, pela perigosa atividade de conciliar a proteção de
Harry com o disfarce de comensal da Morte. Essa tarefa é ainda mais difícil (e
um ato claro de vontade), porque Snape age principalmente pelo amor a Lílian,
não a Harry. Ele quer o bem de Harry por amor à mãe, mas, apesar disso ele age
para proteger Harry.
Por fim, o amor é a chave para a redenção de Snape
porque permite que ele sinta remorso, um sentimento que ele compartilha com
Harry, mas não com Voldemort. Atos de maldade danificam a alma, mas o remorso pode
começar a emendá-la, curá-la e torná-la inteira. O remorso de Snape não
erradica, por si só, anos de ressentimento; a diferença é que ele não permite
que a raiva e o ódio coordenem suas ações. Apesar desses sentimentos, ele consegue
escolher agir pelo bem. Tais atos são um testemunho tanto de seu amor por
Lílian quanto da materialidade da sua redenção. O amor e o remorso de Snape não
são principalmente evidentes em seus estados emocionais, mas o são em seus atos
de vontade contínuos no sentido de buscar o bem do outro.
Harry demonstra remorso ao perdoar Snape, purificando-se
da mesma forma. Ao longo da série, Snape e Harry travam uma batalha particular
marcada por suspeitas cautelosas e ódio sincero. Após a morte de Sirius, Harry
culpa Snape por instigar Sirius a entrar de pronto na batalha no Ministério:
“Snape tinha se colocado eterna e irrevogavelmente além da possibilidade de ser
perdoado por Harry devido a sua atitude em relação a Sirius”.[23] Nas cenas finais de As
Relíquias da Morte, no entanto, vemos que Harry perdoou Snape. Anos mais tarde,
Harry conta ao seu filho do meio: “Alvo Severo... seu nome foi inspirado em
dois diretores de Hogwarts. Um deles era da Sonserina e foi provavelmente o
homem mais corajoso que já conheci”.[24] Harry e Gina deram aos
seus filhos os nomes de pessoas que combateram Voldemort e escolheram sacrificar
seu próprio bem pelo bem dos outros - Tiago, Lílian, Dumbledore e Snape.
O amor não transforma de maneira fácil ou
imediata. Mas o que vemos em Severo Snape é que o amor pode transformar uma vida
de forma radical. Snape não fica com a garota, mas seu amor profundo por Lílian
muda suas crenças e ações. Esse amor motiva-o a perseverar em seu papel
perigoso e solitário de agente duplo. Por causa do amor, Snape é capaz de sacrificar-se
a si mesmo, como Lílian - e Harry.
[1] A Ordem da Fênix, p. 833.
[2]
O Enigma do Príncipe, p. 615.
[3]
Ibid, 616.
[4]
Também é possível, é claro, que Dumbledore tivesse uma prova “inabalável” da
lealdade de Snape por meio da Legilimência (talvez com o consentimento de
Snape.)
[5] Aristóteles,
por exemplo, dedica cerca de um quinto de Ética
a Nicômaco, seu grande trabalho sobre a felicidade e satisfação humanas, ao
tópico da amizade.
[6]
As Relíquias da Morte, p. 697.
[7] Afirma Aristóteles: “Aqueles que desejam o bem de
seus amigos apenas pelo bem deles ou amor a eles são os amigos mais
verdadeiros, porque cada um ama o outro pelo que ele é, e não por qualquer
qualidade incidental”, Ética a Nicômaco, 1156b10. Tomás de Aquino cita
Aristóteles de maneira explícita quando afirma que “amar é querer o bem do
outro”, Suma Teológica, HI, 26, 4ad. No mesmo sentido, o mais atual M. Scott
Peck define amor como “a Vontade de estender o próprio eu com a finalidade de
nutrir o próprio crescimento espiritual do outro”. Veja M. Scott Peck, The Road
Less Taken: A New Psychology of Love, Traditional Values and Spiritual Growth
(Nova York: Simon & Schuster, 1978), p. 81.
[8] É claro, nem todas as ações de Snape são boas,
analisadas tanto por um critério interno quanto externo. De um ponto de vista
externo, o assassinato de Dumbledore cometido por Snape não é objetivamente
bom, mas dentro da lógica dos livros, parece ser apresentado como bom em ao
menos algum sentido, ou no mínimo admissíve1. Além disso, as contínuas ações
hostis de Snape com relação a Sirius não são, a toda evidência, boas, e nem o
são suas atitudes hostis com relação aos alunos (bullying). Mas o argumento não
é que Snape tenha se tornado bom por meio do amor, mas que, de maneira gera1,
Snape enfim age pelo bem dos outros.
[9]
A Ordem da Fênix, p. 530.
[10]
Ibid, p. 531.
[11]
Ibid, p. 536
[12]
Ibid, p. 536.
[13]
Ibid, p. 677.
[14]
Aristóteles, Ética a Nicômaco, 1166a31.
[15] Symposium (O Banquete), 2o6a, traduzido para o inglês
por Alexander Nehamas o Paul Woodruff, em Plato: Complete Works, editado por
John M. Cooper (Indianápolis: Hackett, 1997).
[16] O Banquete, 2o6b. Veja também 2o86 e os parágrafos
seguintes. Os aspectos gerais sobre a natureza do amor, citados anteriormente,
encaixam-se bem ao retrato de amor nos livros de Potter. O amor materno de
Lílian Potter é o exemplo central de amor na série. Note, também, que o duelo
de Molly Weasley com Belatriz Lestrange, no qual ela luta de forma explícita
para proteger seus filhos (e os filhos de outros), recebe destaque especial na
batalha final, ficando atrás apenas do duelo de Harry com Voldemort.
[17] Deus Caristas Est, parágrafo 6. Bento continua sua
análise cristã do amor, afirmando que esse dom de si oferece tanto “o
reencontro de si mesmo, mais ainda para a descoberta de Deus: “Quem procurar
salvaguardar a vida, perdê-la-á, e quem a perder, conservá-la-á” (Lc17,33). (ibid.)
O sacrifício que Harry faz da própria vida no fim do livro As Relíquias da
Morte parece estar fundado neste mesmo princípio.
[18] Resignado, Dumbledore concorda: “Eu nunca revelarei o
seu melhor”, As Relíquias da Morte, p. 679.
[19]
O Enigma do Príncipe, p. 160.
[20]
Ibid, p. 340.
[21] As alusões cristãs, em especial em As Relíquias da
Morte, são evidentes; dentre elas, o herói que conquista a morte ao sacrificar
sua vida, por sua própria vontade, para salvar os outros; os versos da Escritura
nas lápides em Godric’s Hollow; a afirmação de almas imortais e a escolha da
Estação de King’s Cross como o destino entre-mundos de Harry.
[22] Apesar de insistir no segredo de seu papel, Snape enfurece-se
com a acusação de covardia que Harry lhe dirige, e podemos presumir que isso se
deve ao propósito e ao risco contínuo de sua tarefa.
[23]
O Enigma do Príncipe, p. 161.
[24]
As Relíquias da Morte, p. 758.