domingo, 9 de fevereiro de 2014

A TOTAL INCOMPATIBILIDADE DE SER CRISTÃO E ACEITAR A DEGRADAÇÃO DE UMA PESSOA EM NOME DA JUSTIÇA

Tenho visto diversos textos pela internet afora, discutindo o ocorrido no dia 03/02/2014, no Rio de Janeiro, em que um jovem delinquente foi espancado, despido e preso a um poste por uma tranca de carro. Há discussões no âmbito legal e social, que acho extremamente pertinentes. Mas no meu caso, a pergunta que me faço repetidamente é: como ser cristão e aceitar esse fato como normal, ou mais grave, como justificável? (Deixo claro que não estou aqui a falar de instituições religiosas desse ou daquele tipo, nem excluo do debate outras crenças e outras opções como o ateísmo. Apenas não as conheço suficiente para tentar traçar um paralelo da visão cristã com as demais em minhas considerações.)

Volto, então, à pergunta: o que Cristo nos diz sobre tomar a justiça em nossas mãos e sobre a prática da violência em geral?

Jesus se depara com um apedrejamento de uma adúltera. Nesse caso, a lei está ao lado dos agressores (o que não é o caso dos agressores do jovem, posto que há todo uma legislação brasileira que criminaliza milícias e assemelhados). Cada um ali está cumprindo seu dever de cidadão, fazendo cumprir a lei (aqui se encontra algumas das justificativas de pessoas que aceitam o que ocorreu). A adúltera é uma criminosa perante a lei, sabia dos riscos que corria ao cometer seu delito, prejudicou pessoas, sujou a honra da família, desacatou as leis de sua comunidade (eis aqui mais alguns argumentos de defesa dos agressores).

Jesus, no entanto, vê ali pessoas, seres humanos. O mal que se instala ali, seja por parte de quem delinquiu, seja por parte de quem pretende justiçá-la, não é mais forte que o amor que ele prega: “Atire a primeira pedra, quem nunca pecou!” Essa é a voz da razão e do coração: quem nunca infringiu a lei? Cada um de nós tem pequenos ou grandes delitos registrados na alma, que mantemos em segredo. Lembremos: cada vez que acelero meu carro acima da velocidade permitida, infrinjo a lei. Cada vez que falsifico uma carteira de estudante; cada vez que crio, supervalorizo ou omito informações no meu currículo, infrinjo a lei. Não é suficiente? Pedro pergunta a Jesus: “Senhor, quantas vezes devo perdoar meu irmão, quando ele pecar contra mim? Até sete vezes? Jesus responde: Não até sete, mas até setenta vezes sete.” Perdoar é não deixar que o nosso coração seja tomado pelo mal, pela ira, pelo ódio, pela violência.

Então, vamos deixar os delinquentes soltos por aí? (Aqui se encaixa o argumento que diz que não se garante os “direitos civis para gente de bem”). Nem mesmo Jesus diria isso. Ele foi bem claro ao dizer “Dai a César o que é de César.” Mas a retirada de alguém que delinquiu da sociedade temporariamente deveria ser movida pela ideia de dar a essa pessoa a oportunidade de resgatar seu crime, regenerar-se. Não a de puni-lo exemplarmente, jogá-lo em cadeias que aceitamos serem horríveis, degradantes, porque assim ele pode sofrer mais.

Por fim, Jesus nos dá uma outra lição, por meio de Pedro: “Então Jesus lhes disse: ainda essa noite todos vocês me abandonarão. (...) Pedro respondeu: Ainda que todos te abandonem, eu nunca te abandonarei! Respondeu Jesus: Asseguro-lhe que ainda esta noite, antes que o galo cante, três vezes você me negará.”

Por que Pedro nega a Jesus, se sabemos que ele o amava profundamente? Por medo. Esse medo profundo que muitas vezes temos em nosso coração. Medo do outro, medo do que é diferente, medo de não ser aceitos, medo de não sermos compreendidos, medo de assumirmos a nossa parte no projeto divino. 

Fracos que somos, deixamos que nosso medo nos domine e esquecemos que, ao acreditar em um Deus onipotente, deveríamos confiar plenamente na justiça divina e fazermos nossa parte para que o mal deixe de existir em nosso corações. Cada momento que optamos pela violência ou a justificamos, somos como Pedro, negando que conhecemos Jesus, que conhecemos sua mensagem, traindo assim aquele que se propôs ao sacrifício para nos trazer para o caminho da luz.

(Na minha postagem do dia 22/12/2013, neste mesmo blog: "Anjo Vingativo ou Companheiro Compassivo?" comento uma interpretação da passagem bíblica sobre Jonas, que traz alguns pontos coincidentes com esse texto. Vale a pena conferir!)




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