Tenho visto diversos textos pela internet afora,
discutindo o ocorrido no dia 03/02/2014, no Rio de Janeiro, em que um jovem
delinquente foi espancado, despido e preso a um poste por uma tranca de carro.
Há discussões no âmbito legal e social, que acho extremamente pertinentes. Mas
no meu caso, a pergunta que me faço repetidamente é: como ser cristão e aceitar
esse fato como normal, ou mais grave, como justificável? (Deixo claro que não estou aqui a falar de
instituições religiosas desse ou daquele tipo, nem excluo do debate outras
crenças e outras opções como o ateísmo. Apenas não as conheço suficiente para
tentar traçar um paralelo da visão cristã com as demais em minhas considerações.)
Volto, então, à pergunta: o que Cristo nos diz
sobre tomar a justiça em nossas mãos e sobre a prática da violência em geral?
Jesus se depara com um apedrejamento de uma
adúltera. Nesse caso, a lei está ao lado dos agressores (o que não é o caso dos
agressores do jovem, posto que há todo uma legislação brasileira que
criminaliza milícias e assemelhados). Cada um ali está cumprindo seu dever de
cidadão, fazendo cumprir a lei (aqui se encontra algumas das justificativas de
pessoas que aceitam o que ocorreu). A adúltera é uma criminosa perante a lei,
sabia dos riscos que corria ao cometer seu delito, prejudicou pessoas, sujou a
honra da família, desacatou as leis de sua comunidade (eis aqui mais alguns
argumentos de defesa dos agressores).
Jesus, no entanto, vê ali pessoas, seres humanos.
O mal que se instala ali, seja por parte de quem delinquiu, seja por parte de
quem pretende justiçá-la, não é mais forte que o amor que ele prega: “Atire a
primeira pedra, quem nunca pecou!” Essa é a voz da razão e do coração: quem
nunca infringiu a lei? Cada um de nós tem pequenos ou grandes delitos
registrados na alma, que mantemos em segredo. Lembremos: cada vez que acelero
meu carro acima da velocidade permitida, infrinjo a lei. Cada vez que falsifico
uma carteira de estudante; cada vez que crio, supervalorizo ou omito
informações no meu currículo, infrinjo a lei. Não é suficiente? Pedro pergunta a Jesus: “Senhor,
quantas vezes devo perdoar meu irmão, quando ele pecar contra mim? Até sete
vezes? Jesus responde: Não até sete, mas até setenta vezes sete.” Perdoar é não
deixar que o nosso coração seja tomado pelo mal, pela ira, pelo ódio, pela
violência.
Então, vamos deixar os delinquentes soltos por
aí? (Aqui se encaixa o argumento que diz que não se garante os “direitos civis
para gente de bem”). Nem mesmo Jesus diria isso. Ele foi bem claro ao dizer “Dai
a César o que é de César.” Mas a retirada de alguém que delinquiu da sociedade
temporariamente deveria ser movida pela ideia de dar a essa pessoa a
oportunidade de resgatar seu crime, regenerar-se. Não a de puni-lo
exemplarmente, jogá-lo em cadeias que aceitamos serem horríveis, degradantes, porque
assim ele pode sofrer mais.
Por fim, Jesus nos dá uma outra lição, por meio de
Pedro: “Então Jesus lhes disse: ainda essa noite todos vocês me abandonarão.
(...) Pedro respondeu: Ainda que todos te abandonem, eu nunca te abandonarei!
Respondeu Jesus: Asseguro-lhe que ainda esta noite, antes que o galo cante,
três vezes você me negará.”
Por que Pedro nega a Jesus, se sabemos que ele o
amava profundamente? Por medo. Esse medo profundo que muitas vezes temos em
nosso coração. Medo do outro, medo do que é diferente, medo de não ser aceitos,
medo de não sermos compreendidos, medo de assumirmos a nossa parte no projeto
divino.
Fracos que somos, deixamos que nosso medo nos domine e esquecemos que,
ao acreditar em um Deus onipotente, deveríamos confiar plenamente na justiça
divina e fazermos nossa parte para que o mal deixe de existir em nosso
corações. Cada momento que optamos pela violência ou a justificamos, somos como Pedro, negando que conhecemos Jesus, que conhecemos sua mensagem, traindo assim aquele que se propôs ao sacrifício para nos trazer para o caminho da luz.
(Na minha postagem do dia 22/12/2013, neste mesmo blog: "Anjo Vingativo ou Companheiro Compassivo?" comento uma interpretação da passagem bíblica sobre Jonas, que traz alguns pontos coincidentes com esse texto. Vale a pena conferir!)