sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Dislexia, eu?!



Como professora por muitos anos em Ensino Fundamental, Médio e Superior, deparei-me diversas vezes com alunos que eram tachados de "burros", "atrasados", "preguiçosos", casos considerados "perdidos". Mas bastava ler o texto do aluno e conversar com ele para perceber que, na verdade, havia uma possibilidade muito grande de serem apenas casos de dislexia não diagnosticados. Infelizmente, a desinformação é muito grande em relação à doença. E, várias vezes, pude notar o triste fato de que muitos deles realmente se achavam "burros", "atrasados", "preguiçosos", pois haviam interiorizado o discurso de "incompetência" a ele dirigido por parte dos pais, professores, colegas...

Assim, no sentido de colaborar com a divulgação de informações relevantes a esse respeito, reproduzo aqui uma entrevista em publicação de uma escola brasiliense chamada Ciman, datada de junho de 2007::

Disléxico: você deve conhecer um...

Quando as notas no boletim não refletem exatamente a capacidade intelectual da criança, a primeira reação de quem não compreende o que está se passando é acusá-la de preguiça. Essa é a saída mais fácil para não encarar um problema que atinge de 10% a 15% da população mundial: a dislexia. Compreendida como um distúrbio específico de aprendizagem, na área de leitura e escrita, a dislexia é hoje completamente diagnosticável. Estudos comprovam ser um distúrbio neurológico, congênito, hereditário e que atinge mais os homens — numa proporção de três para uma mulher disléxica.

Devido a essa alta incidência, é quase impossível não ter crianças disléxicas em todas as escolas brasileiras, públicas ou particulares. A fonoaudióloga Karla Castelo Branco que é pós-graduada em educação de deficiente auditivo, com especialização em psicopedagogia, acredita que quanto mais cedo se fizer a identificação do distúrbio e for dado encaminhamento adequado melhores serão os resultados. E, mesmo assim, tendo de enfrentar os vários obstáculos que lhe são impostos, a criança disléxica ainda precisa vencer a pior de todas as barreiras para conquistar o seu desenvolvimento educacional: a desinformação. Em entrevista ao Caderno CIMAN, Karla abre a caixa preta desse distúrbio tão comum e tão ignorado pela maioria das escolas, pais e amigos.

O que é dislexia?

Hoje em dia, temos várias opiniões diferentes, mas a dislexia, em si, é um distúrbio da leitura que tem como conseqüência as trocas na escrita e a dificuldade na matemática (a descalculia). São problemas que afetam a motivação, a atenção. A parte cognitiva é preservada — a criança tem uma inteligência reconhecidamente normal. Os estudos, hoje, estão voltados para a descoberta dos motivos que levam a esse distúrbio. Está comprovada a deficiência neural, mesmo. Sabia-se que o distúrbio vinha do lado esquerdo, o parietal. Hoje, já se sabe que o lado temporal do cérebro, responsável também pelas funções do parietal, pela leitura e a escrita, é maior que o esquerdo. E que a incidência é muito maior nos meninos do que nas meninas.


Existe uma explicação para isso?

Não existe uma explicação certa. Pelas pesquisas, a demanda maior nos consultórios vem dos meninos. Agora, se analisarmos o desenvolvimento dos meninos e das meninas, perceberemos que as meninas se desenvolvem mais rapidamente, até pelo brincar delas, que estimula muito o motor fino — responsável pelo desenvolvimento do pegar, da atenção, do escrever. O menino começa muito pelos movimentos amplos. Observamos que a menina tem uma estimulação maior.


Como se diagnostica a dislexia? É um problema hereditário?

É hereditário. Estão comprovadas alterações nos cromossomos 6 e 15. O neurologista Albert Galaburda também comprovou a existência de células fora do lugar, chamada de ectopia, e células com funções diferentes, que chamamos de displasia. A dislexia já é um distúrbio neurologicamente diagnosticado. Agora, se você se liga apenas nesse aspecto relacionado à saúde, acaba não vendo a criança no contexto em que ela está. A dislexia pode ser provocada por outros fatores, como um problema no processamento auditivo, por exemplo. É preciso avaliar todos os pontos.


Então, não é uma avaliação simples.

Não podemos ver a criança como "o disléxico". Precisamos percebê-la como um todo. Todas as relações dela precisam ser consideradas: as relações com os pais, com a escola, com os amigos, o contexto. Temos de acompanhar o desenvolvimento da criança desde o tempo zero. Como foi a estimulação de 0 a 2 anos, de 2 a 7 anos? A criança ficou mais com os pais ou com a babá? Essas são fases da inteligência da criança que têm que ser levadas em consideração durante a avaliação.


Essas questões podem determinar o grau de comprometimento?

Podem. Tanto que há a dislexia de leve a severa. Se formos nos avaliar, é possível que detectemos alguns itens da dislexia em nós mesmos.


Antigamente, a criança que não se desenvolvia bem na escola era tida como preguiçosa. E, hoje, quando é considerada a dislexia?

Não existe criança preguiçosa. Algo está acontecendo para que ela não esteja respondendo. É por isso que temos de buscar os fatos. Pode ser uma questão emocional, pode ser orgânica, pode ser um distúrbio como a dislexia ou o TDAH. A confusão entre letras com sons ou formas similares ("P" e "B"; "V" e "U"), sílabas ou palavras, inversões, dificuldades na leitura, contaminação de sons podem ser sinais de dislexia. Uma criança que lê com dificuldade, pula palavras, tem seu poder de interpretação comprometido pode levar as pessoas a acharem que ela não está prestando atenção. O disléxico não consegue ler o que ele não consegue formara imagem na cabeça.


Quanto tempo leva para se fazer um diagnóstico de dislexia?

A criança tem de passar por um psicólogo, um fonoaudiólogo, um psicopedagogo, tem de ser encaminhada por um neurologista. Só assim é possível chegar a uma conclusão. Em caso contrário, qualquer um que apresente algum desses distúrbios pode ser considerado disléxico.


Registros históricos levaram especialistas a crer que Einstein, Leonardo da Vinci, Wiston Churchill e Walt Disney eram disléxicos. Famosos como Tom Cruise e Whoopi Goldberg se declararam disléxicos. Existe alguma relação do distúrbio com a genialidade?

Não há nada comprovado. Mas são personagens que venceram suas dificuldades. Veja Tom Cruise. Quem lê os textos para ele é a secretária. A dislexia não impediu que essas pessoas fossem bem sucedidas em seus objetivos. Mas não significa que um disléxico precise ser um gênio.


Dislexia tem cura?

Não. Mas a terapia ajuda o disléxico no processo de organização do seu pensamento. Pais, terapeutas e escola trabalham juntos para adequar a criança ao mundo. Com essa ajuda, ela vai encontrando os próprios caminhos e se adequando. Cada um vai encontrando as soluções para suas dificuldades, assim como Tom Cruise fez. Outros, na hora da escrita, usam o computador para que o corretor ortográfico aponte os erros. É uma forma de driblar as trocas no momento da escrita. Eu desenhava um relógio no pulso dos meus pacientes para ajudá-los a lembrar a direita e a esquerda.


Como precisa ser a relação entre a escola e o aluno disléxico?

É preciso que os professores estejam preparados para receber esse aluno. Palestras e grupos de estudos sobre o tema são atividades importantes que a escola precisa estimular para que os profissionais que lidam diretamente com o aluno saibam fazer isso. É muito fácil a escola chamar os pais e dizer: "Ele não está acompanhando". E o papel da escola, como fica? Antigamente, a dislexia era um terror. Hoje, sabe-se que existem formas diferentes de trabalhar com a criança.


E os pais, como devem agir?

É importante que os pais falem com o filho sobre a dislexia, mas sem tachá-lo, ou a criança pode se sentir "o disléxico". Já tive paciente a quem fui perguntar o nome e ele respondeu: "sou disléxico". É como se ele me dissesse: "Eu não me autorizo mais, quem está me autorizando é o meu distúrbio". Esse rótulo é algo que afeta a auto-estima, que já é prejudicada por perceber que não está conseguindo o mesmo que os colegas conseguem. A relação tem de ter como base a ajuda, o companheirismo, mas sem relaxar.


Como deve ser a exigência com essas crianças?

É preciso limite na cobrança. Não adianta pedir, por exemplo, para a criança ler duas páginas. O certo seria pedir ela para ler um parágrafo, interpretar, depois prosseguir. Às vezes, no afã de ajudar, os pais atrapalham. Tudo é um caminhar. Não é fazer por ela, mas fazer com ela.


Como dever ser a avaliação do aluno?

O tempo que é colocado para a criança fazer a prova não pode ser o mesmo para um disléxico. Há momentos em que ele vai precisar da interferência de um leitor para ajudá-lo. A prova oral, por exemplo, é o tipo de avaliação mais indicada. É preciso ter em mente que o importante é saber se o aluno apreendeu o conteúdo. Se, para descobrir isso, for necessário fugir do lugar comum da prova convencional — para reduzir a carga, a pressão sobre ele e deixar o pensamento fluir naturalmente —•, assim deve ser feito.

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