ENSINEMOS NOSSAS FILHAS A BRIGAR, RECLAMAR, DIZER NÃO, ARMAR BARRACO, SIM!
Quando vejo notícias sobre profissionais ou pessoas famosas acusadas de violência sexual, vejo milhares de comentários de homens (e de mulheres também) que desacreditam das vítimas com o seguinte raciocínio: Por que elas não disseram nada? Por que elas não fizeram um escândalo?
Há muitas razões, mas queria destacar uma delas, que considero a mais importante: a própria mulher desqualifica suas impressões, suas decisões. Explico. Você vai a um médico, curandeiro, terapeuta ou coisa que o valha, profissionais diversos que precisarão tocar no seu corpo. Todos são homens qualificados, respeitados, muitas vezes até indicados por mulheres.
Então, há uma "autoridade" diante de você. Eles não vão agarrar você pelos cabelos, jogar você no chão, ou coisa que o valha. Eles vão se aproveitar da sua fragilidade no momento e, principalmente, da sua descrença em suas próprias percepções. Coisas que passam pela nossa cabeça na hora: "Será que ele está me assediando?" 'Será que esse procedimento é assim mesmo?" "Esse toque me deixa desconfortável. Será que estou imaginando coisas?" Caso ele perceba sua confusão e descrença, sua dificuldade de assumir o que você está sentindo como real, eles passam para um segundo passo, que pode ser no mesmo momento ou podem levar algumas consultas.
Sempre aparentando gentileza e profissionalismo, eles vão ficando cada vez mais exigentes e abusadores e começam a usar essas dúvidas contra você. "Você entende que preciso fazer assim, não é?" "sei que parece estranho, mas é assim mesmo..."
E, muitas vezes, caso o abuso não seja fácil de ser claramente definido (um toque ou posição estranha num exame médico, por exemplo), embora seja percebido como desconfortável, as mulheres ainda vão se consumir em dúvidas. "Será que estou exagerando?" Uma amiga fisioterapeuta me contou ontem que uma amiga dela ligou pra saber se determinados toques (nos seios, na parte interior das coxas) fariam parte de um diagnóstico de dor na coluna (!).
E se chegou a um ato claro de violência, o mais comum para quem foi até aí é congelar. Ficar sem reação. São muitos os relatos de que "Fiquei ali, rezando para que aquilo terminasse logo". Li uma vez que, diante do perigo, podemos lutar, congelar ou fugir. A "escolha" por congelar, vem exatamente da sensação de que não adianta lutar ou fugir. Da sensação de se estar acuada.
O depois é marcado então pela sensação de descrença das suas próprias percepções, em casos mais "discretos", e nos casos mais graves, pela sensação de que não adianta falar nada, que ele, como autoridade, irá dizer que foram procedimentos normais, que você não tem provas.
E o destaque que quero dar é que, muitas vezes, é comum se acreditar que ele fez isso somente com você. E que a sua demora em perceber o que ia acontecer, a sua "ingenuidade", de alguma forma, deu permissão para que ele fosse em frente. Logo, de alguma forma "torta", a culpa, no final das contas, foi sua.
Nesse contexto, o discurso de que, se houve algo, a mulher teria denunciado ou reagido antes, só aprofunda a culpa e a vergonha. E é por isso que é comum, depois de uma primeira denúncia, que surjam muitas outras.
Mas e o título desse texto?
Amigas e amigos, ensinem suas filhas a acreditar no que sentem, no que percebem. E que, surgindo um dúvida, por menor que ela seja, reajam imediatamente: saiam do consultório, encerrem o atendimento. Não importa o que os outros pensem. Não importa. O que deve importar é seu desconforto, sua percepção de que é um assédio, sim. Ensinem suas filhas a acreditar nelas mesmas, nos seus sentimentos, na sua percepção. Valorizem as suas falas. Ouçam suas filhas. Não precisamos mais de meninas e mulheres boazinhas. Precisamos de meninas e mulheres barraqueiras, que gritem, berrem, se for preciso, mas que se defendam. Meninas e mulheres que se vejam no direito de se defender sempre, seja no campo psicológico, emocional ou físico, não importa quem for o agressor.