quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

ENSINEMOS NOSSAS FILHAS A BRIGAR, RECLAMAR, DIZER NÃO, ARMAR BARRACO, SIM!

Quando vejo notícias sobre profissionais ou pessoas famosas acusadas de violência sexual, vejo milhares de comentários de homens (e de mulheres também) que desacreditam das vítimas com o seguinte raciocínio: Por que elas não disseram nada? Por que elas não fizeram um escândalo?
Há muitas razões, mas queria destacar uma delas, que considero a mais importante: a própria mulher desqualifica suas impressões, suas decisões. Explico. Você vai a um médico, curandeiro, terapeuta ou coisa que o valha, profissionais diversos que precisarão tocar no seu corpo. Todos são homens qualificados, respeitados, muitas vezes até indicados por mulheres.
Então, há uma "autoridade" diante de você. Eles não vão agarrar você pelos cabelos, jogar você no chão, ou coisa que o valha. Eles vão se aproveitar da sua fragilidade no momento e, principalmente, da sua descrença em suas próprias percepções. Coisas que passam pela nossa cabeça na hora: "Será que ele está me assediando?" 'Será que esse procedimento é assim mesmo?" "Esse toque me deixa desconfortável. Será que estou imaginando coisas?" Caso ele perceba sua confusão e descrença, sua dificuldade de assumir o que você está sentindo como real, eles passam para um segundo passo, que pode ser no mesmo momento ou podem levar algumas consultas.
Sempre aparentando gentileza e profissionalismo, eles vão ficando cada vez mais exigentes e abusadores e começam a usar essas dúvidas contra você. "Você entende que preciso fazer assim, não é?" "sei que parece estranho, mas é assim mesmo..."
E, muitas vezes, caso o abuso não seja fácil de ser claramente definido (um toque ou posição estranha num exame médico, por exemplo), embora seja percebido como desconfortável, as mulheres ainda vão se consumir em dúvidas. "Será que estou exagerando?" Uma amiga fisioterapeuta me contou ontem que uma amiga dela ligou pra saber se determinados toques (nos seios, na parte interior das coxas) fariam parte de um diagnóstico de dor na coluna (!).
E se chegou a um ato claro de violência, o mais comum para quem foi até aí é congelar. Ficar sem reação. São muitos os relatos de que "Fiquei ali, rezando para que aquilo terminasse logo". Li uma vez que, diante do perigo, podemos lutar, congelar ou fugir. A "escolha" por congelar, vem exatamente da sensação de que não adianta lutar ou fugir. Da sensação de se estar acuada.



O depois é marcado então pela sensação de descrença das suas próprias percepções, em casos mais "discretos", e nos casos mais graves, pela sensação de que não adianta falar nada, que ele, como autoridade, irá dizer que foram procedimentos normais, que você não tem provas.
E o destaque que quero dar é que, muitas vezes, é comum se acreditar que ele fez isso somente com você. E que a sua demora em perceber o que ia acontecer, a sua "ingenuidade", de alguma forma, deu permissão para que ele fosse em frente. Logo, de alguma forma "torta", a culpa, no final das contas, foi sua.
Nesse contexto, o discurso de que, se houve algo, a mulher teria denunciado ou reagido antes, só aprofunda a culpa e a vergonha. E é por isso que é comum, depois de uma primeira denúncia, que surjam muitas outras.
Mas e o título desse texto?
Amigas e amigos, ensinem suas filhas a acreditar no que sentem, no que percebem. E que, surgindo um dúvida, por menor que ela seja, reajam imediatamente: saiam do consultório, encerrem o atendimento. Não importa o que os outros pensem. Não importa. O que deve importar é seu desconforto, sua percepção de que é um assédio, sim. Ensinem suas filhas a acreditar nelas mesmas, nos seus sentimentos, na sua percepção. Valorizem as suas falas. Ouçam suas filhas. Não precisamos mais de meninas e mulheres boazinhas. Precisamos de meninas e mulheres barraqueiras, que gritem, berrem, se for preciso, mas que se defendam. Meninas e mulheres que se vejam no direito de se defender sempre, seja no campo psicológico, emocional ou físico, não importa quem for o agressor.



quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

VIDA DE CANHOTO - UM GUIA PARA OS PAIS

Conversando sobre as agruras de ser canhota com uma amiga que tem uma pequena canhota muito sapeca e muito fofa dentro de casa, ela me sugeriu que eu fizesse um texto com informações práticas explicando de que forma ser canhoto pode afetar as tarefas do dia a dia.

Há controvérsias de quando a criança já começa a manifestar sua preferência pela mão esquerda. Há estudos que apontam que os bebês no útero materno podem já usar a mão esquerda quando chupam o dedo. Já outros estudos dizem que a definição do uso da mão esquerda se dá por volta dos cinco anos de idade. A preferência manual está dentro de um contexto muito amplo: a lateralidade, ou seja, a dominância de todo um lado do corpo. Assim, ser canhoto não é apenas escrever com a mão esquerda, mas também preferir todo o seu lado esquerdo, embora o canhoto não perceba isso nitidamente. O lado do cérebro mais desenvolvido – nos canhotos, o direito – está conectado a um número maior de nervos, que recebem todo tipo de informação sensitiva. Portanto, nesse lado preferido, a visão é mais aguda, a pele é mais sensível, os músculos respondem mais prontamente. Vale a pena lembrar sempre: não force seu filho para usar a mão direita. Isso será estressantes para a criança e pode criar dificuldades de aprendizagem no futuro.  

Nós, canhotos, somos apenas dez por cento da população mundial. Isso significa que a sociedade, no geral, não está nem aí se instrumentos, ferramentas e utensílios do dia-a-dia oferecem dificuldades para essa pequena parte de nós seres humanos. É claro que há pessoas que são ambidestras e há canhotos que se adaptam melhor a utilizar a mão direita para alguns desses casos que vou listar. No meu caso específico, sou uma canhota que não tem nenhuma habilidade com a mão direita. Nenhuma mesmo.

1. Primeiro, vamos a tudo que tem fio de corte.

O item mais conhecido são as tesouras, de qualquer tamanho e forma: não há como usar uma tesoura comum com a mão esquerda. Como o fio da tesoura fica invertido, a folha dobra sem cortar. Para o seu pequeno canhoto, já há tesouras para canhotos à venda em papelarias de médio porte. Eu uso essa aqui.



 Mas há também outros itens importantes: facas, por exemplo. Sim, facas. Olhe uma faca de mesa e você verá que há fio apenas de um dos lados da faca. Então, seu pequeno canhoto terá mais dificuldade em aprender a cortar a própria comida do prato ou a fatiar qualquer coisa. Confesso que eu só uso facas dessas de churrasco que, por serem serrilhadas, cortam dos dois lados.

E há os estiletes, que também tem o fio do corte apenas de uma lado. Estiletes para canhotos podem ser encontrados em papelarias de grande porte ou lojas de material de desenho.

Abridores de latas combinam duas dificuldades também: o uso da alavanca e o corte invertido. Isso significa que abrir uma lata pode ser uma atividade penosa. Conheço canhotos que aprenderam a utilizar o abridor de lata formando uma alavanca invertida. Caso você encontre abridores de lata para canhoto, compre imediatamente. Você pode comprar vários e dar de presente aos seus amigos canhotos. Eles serão eternamente gratos. Não se espante se algum deles cair no choro de felicidade. Se não tiver um assim, a alternativa é um abridor de latas com giro. São difíceis também, mas trocar a alavanca pelo giro já facilita um pouco, pelo menos pra mim.

Um abridor de latas para canhoto



2. Segundo, instrumentos de rosca.

Abrir latas e outros produtos fechados com rosca é difícil: a tendência do canhoto é girar para o lado contrário. Mesmo que ele consiga girar pro lado correto, a pressão diferente pode levar a lascar dentes da rosca, principalmente quando são de vidro. 
Além disso, produtos com rosca são feitos para que, ao serem utilizados por um destro, a pressão aplicada faça com que a rosca fique cada vez mais apertada. No entanto, quando usados por um canhoto, a rosca irá girar ao contrário o que fará com que ela se abra. Aqui temos coisas insuspeitas como vassouras, rodos, canetas de rosca fazendo da vida de um canhoto um verdadeiro inferno Entenda: seu pequeno canhoto verá o cabo da vassoura se soltar no meio da tarefa de varrer a casa.
E tudo o que gira como maçanetas e torneiras, gira para a direita, na ditadura dos destros. Então, seu pequeno canhoto pode ter dificuldades com isso também. Já adulto, o uso de saca-rolhas será um desafio à parte. Eu mesma peço ajuda aqui em casa para um dos meus filhos...

3. Escrever com a mão esquerda.

Provavelmente, seu filho precisará aprender a segurar o lápis sozinho. Professores são destros e não estão preparados para ajudar seu canhotinho. 
A posição do caderno ou folha de papel também é um problema. Eu uso o caderno na posição "normal" porque estudei em um colégio tradicional em que a professora me obrigava a usá-lo assim. Não deixe que isso aconteça com seu filho. Até que seu filho possa decidir se quer usar um caderno de espiral, procure comprar cadernos de brochura. Escrever com a mão pressionada a espiral do caderno machuca e atrapalha. Fichários apresentam o mesmo problema.





As mãozinhas de seu pequeno canhoto ficarão sujas de lápis, canetinhas coloridas e canetas esferográficas quando ele escrever, já que a mão passa por cima do que foi escrito, diferente do destro em que sua mão se afasta do texto. Com o lado da mão sujo, provavelmente as folhas do caderno ficarão sujas e borradas. Não é desleixo de seu pequeno canhoto. Ele fará malabarismos para que isso não aconteça e, mesmo assim,  ele terá que lidar com cadernos sujos de lápis ou borrados de caneta. 



Provavelmente, a letra do seu pequeno canhoto, que foi chamado pela professora para escrever no quadro, na frente de todos, será a pior versão da sua letra habitual por conta da dificuldade em escrever sem borrar. Vale dar um toque na professora. 
E lembre-se: folhas enceradas e canetas que apagam são coisas com as quais nenhum canhoto deveria ter que lidar. Nunca.
Importante para os pequenos canhotos: o apontador de lápis, que combina as dificuldades de um instrumento de corte com o movimento de rosca. É uma tortura silenciosa para seu pequeno canhoto: a ponta do lápis irá quebrar sempre. Sempre. Não conheço apontadores de lápis para canhotos, então sugiro lapiseiras, dessas com a ponta mais grossa.
E lembre-se de garantir junto à escola que a sala tenha cadeira universitária para canhotos. Cada sala deveria ter dez por cento do número de alunos. O uso da cadeira para destros pode fazer com que seu filho desenvolva problemas de postura e dores no corpo.


4. Posição na mesa de jantar: como o canhoto segura talheres com a mão esquerda, sentar entre dois destros é a receita para que os destros e o pobre canhoto se esbarrem durante toda a refeição. Ele tenderá a se encolher o que também não ajuda na postura e cria uma sensação de que somos um "incômodo. Coloque seu pequeno canhoto na ponta da mesa com a mão esquerda livre. 



5. Instrumentos musicais de corda e trabalhos manuais como tricô e crochê exigirão um esforço especial. Professores são destros, lembre-se. Assim, eles irão fazer uma pressão para que os alunos aprendam como destros. Lembre-se que as cordas do violão podem ser invertidas e outras adaptações podem ser feitas. Contratar um professor canhoto que usa a mão esquerda para essas atividades pode ser bem interessante. Caso se opte por usar a mão direita, tenha paciência. Pode demorar um pouco mais para que seu canhoto adquira destreza (isso mesmo: destreza vem de destro).

6. Por fim, algumas atividades que os canhotos acabam por aprender a fazer com a mão direita: usar bebedouros e manusear mouses podem ser desafiador. Utilizar teclado numérico em computadores e laptops e dar corda em relógios podem exigir um certo contorcionismo. Fechar zíper de calça e de casaco também exigirá um certo treino.







Espero que essas informações sejam úteis para que as dificuldades que nossos pequenos canhotos enfrentam sejam melhor compreendidas. 

Uma dica: nesses sites você pode encontrar alguns produtos para canhotos.